Um filme que explica tanta coisa.
Filme por filme, não achei melhor que Central do Brasil, Cidade de Deus, A Vida é Bela, Cinema Paradiso e tantos outros filmaços de língua não inglesa. Mas Parasita chegou lá onde nenhum outro antes! Não sem méritos cinematográficos. Mas a película coreana vai mais além.
FHC já disse que “ser pobre é muito mais divertido”. Tenho que concordar com ele. Enquanto uns torram dinheiro para escalar montanhas congeladas, mergulhar com tubarões ou se jogar de aviões, a aventura do pobre é menos glamourosa, mas igualmente emocionante. O objetivo ao final do dia é o mesmo: chegar em casa vivo (se houver uma casa, é claro).
O grande problema é que a guerra acaba moldando o guerreiro. Nietzsche dizia que “se olharmos muito para o buraco, ele acaba nos olhando de volta”. E é justamente esse convívio com a desgraça o que traz um perigo adicional na vida do pobre. Maior do que tubarões, hipotermia ou queda livre. De tanto ser forçado a viver como rato, tornar-se rato. Perigo e benção, cá entre nós. Pouquíssimas criaturas tem tanto talento para sobreviver em condições adversas.
Eu disse que o filme explica tanta coisa, a primeira delas é que a falta de dignidade desumaniza as pessoas. Quando somos tratados como números, objetos, meras engrenagens menores em um sistema que gira em torno de engrenagens principais (inatingíveis), deixamos de ser pessoas. Somos maquininhas mais ou menos inventivas e desvalorizadas ao sabor de cotações circunstanciais. Mas duas coisas nunca deixarão de ser verdade para o ser humano. Uma eu já disse: somos inventivos. A outra, não poderia ser mais implacável: a fome. E quando se unem, por um lado a fome e por outro lado a inventividade, surge a ação central de Parasita.
Incomoda ver, no decorrer da estória, que a consciência moral, o bom senso, a solidariedade vão sendo deixados de lado, (supostamente) em nome da sobrevivência. Até você perceber que não era por causa da sobrevivência. Simplesmente são os valores em voga. E essa frieza sociopata, com certeza, não foi herdada dos ratos lá do subsolo. Ela encontra muito mais eco na gélida mansão onde os patrões descartam pessoas de “categorias inferiores” como quem rasga um bilhete já lido.
Se é verdade, como sugeriu Marx, que “os valores dominantes da sociedade são os valores da classe dominante”, não é menos verdade que essa mesma classe dominante é que detém a maestria de exercer tais valores. Ninguém humilha, ameaça, constrange, abusa ou suga a energia de outrem com tanta sutileza e etiqueta quanto o rico. Todos esses verbos se resumem num substantivo: futilidade. Quem é o parasita, então?
Por outro lado, o pobre quando tenta ser fútil, acaba metendo os pés pelas mãos, ou se lambuza ou se suicida, porque o DNA da sarjeta insiste em persegui-lo. Por mais que se queira idealizar diferente, a verdade é que a sociedade se mantém estamental. Mobilidade social só é permitida ladeira abaixo. Os sonhos alimentados por uma ou outra exceção de sucesso acabam se revelando, quase sempre, em ilusão. Sonha-se, luta-se, peleja-se. Mas quando se abre os olhos, você ainda está lá, na toca do rato. Parasita nos mostra isso muito bem.
Depois, há quem diga que luta de classes não existe.