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    Trago Comigo
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Trago Comigo

    Introdução à ditadura militar

    por Bruno Carmelo

    Esta ficção se abre em estilo de falso documentário. Telmo (Carlos Alberto Riccelli) é entrevistado por uma equipe sobre seu engajamento político durante a ditadura militar. Ele se recorda dos fatos, mas não consegue resgatar a história de uma ex-namorada, Lia. Por que não se lembra dela? De olhos marejados, o personagem deve conjugar a dor se lembrar de uma época traumática, e a dor de não se lembrar de um relacionamento amoroso.

    A diretora Tata Amaral avança rapidamente pela metalinguagem do filme-dentro-do-filme. A cineasta habituada a este recorte histórico prefere fazer uma mistura de artes, no caso, propor uma peça de teatro dentro do filme. Telmo é um famoso dramaturgo e, em sua busca pessoal, decide criar uma peça autobiográfica para exorcizar os fantasmas do passado. Trago Comigo poderia ser minuciosamente destrinchado por um psicanalista, com suas descrições de traumas, atos falhos, projeções, recalques, transferências. Mas a dimensão acessível ao público é sua vertente pedagógica.

    Esta é, de fato, uma ficção que assume seu lado educativo. Quando Telmo ensina aos atores, jovens pouco politizados, como funcionava a luta armada, a estrutura assemelha-se ao discurso do professor numa sala de aula. Convenientemente, os alunos são ignorantes a ponto de repetirem os mesmos erros, para o professor sublinhar a lição (“Eu não era terrorista, e sim guerrilheiro!”, explica). Afinal, este é o mecanismo da didática: usar os exemplos mais claros possíveis para permitirem a compreensão inicial de um tema mais complexo.

    O didatismo do projeto tem suas vantagens e desvantagens. Por um lado, torna a obra acessível e agradável, sem o peso solene das verdadeiras aulas de história. Por outro lado, impede o aprofundamento em questões mais profundas, de ordem social e política. O mesmo ocorre com as opções narrativas do projeto: por um lado, essa redução em tipos sociais (o guerrilheiro, o ator burguês, o ator suburbano, a atriz/amante) permite que toda a sociedade seja contemplada no pequeno palco de Tata Amaral. Por outro lado, a limitação psicológica dos personagens é evidente: com exceção do protagonista, nenhum deles consegue ganhar um aprofundamento razoável.

    Felizmente, Trago Comigo conta com uma atuação precisa de Carlos Alberto Riccelli, capaz de transmitir em expressões a dor e furor daqueles tempos que não aparecem em imagens. O personagem torna-se ainda mais difícil por sua artificialidade: visto o nível da direção de atores e da mise en scène de Telmo, é difícil crer que ele seja um dramaturgo experiente. Felipe Rocha faz o que pode para tornar palatável o jovem destinado a servir como contraexemplo – hoje em dia, ele seria provavelmente chamado de “coxinha”. Selma Egrei tem uma participação especial simples, mas eficaz.

    Talvez o projeto nunca transcenda suas intenções expositivas imediatas. Mas ele não pretende fazê-lo: sua lucidez consiste em perceber esta limitação, explorando ao máximo as capacidades cênicas e políticas do dispositivo. De modo lúdico, o filme cumpre seus objetivos.

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