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    Brincante
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Brincante

    Popular e erudito

    por Bruno Carmelo

    Você conhece Antônio Nóbrega? Este artista mambembe é famoso por seu pequeno teatro itinerante, que percorre o Brasil apresentando números de fantoches, teatro, dança, música e truques de maneira geral. O teor das apresentações é lúdico e infantil, embora não descarte a ironia. Ou seja, os números apresentam a malícia do folclore para adultos, combinada com as cores e os sorrisos do discurso voltado às crianças.

    Isto é mais ou menos tudo que você vai descobrir em Brincante. O documentário de Walter Carvalho não explora o homem por trás do personagem, não entrevista o artista, não revela suas motivações, sua história, suas ideias, seus ensaios. Ao contrário do documentário como ideia de “revelação” e de “verdade” sobre o seu tema, este filme prefere se ater no terreno da fantasia criada por Antônio Nóbrega, constituindo no melhor dos casos um documentário sobre ficções, ou seja, um registro das apresentações de Tonheta.

    O diretor faz escolhas interessantes de filmagem. As apresentações de Nóbrega e sua companheira, Rosane Almeida, são feitas exclusivamente para a câmera. O diretor brinca ao compor enquadramentos angulados e próximos dos atores, distanciando esta experiência daquela proporcionada pela dinâmica teatral. Mas ao mesmo tempo, esquece-se o público, fator tão importante em uma arte popular e mambembe: ninguém além do espectador de cinema está presenciando os números de Tonheta, e os risos, vaias ou demais manifestações fazem falta à apreciação do contexto artístico.

    Ao reproduzir as apresentações sem o público presente, Brincante estabelece uma curiosa conexão entre arte popular e erudita. Os números acessíveis, o linguajar simples e as referências cômicas remetem ao folclore popular, mas o tratamento com bela fotografia e enquadramentos complexos transforma Antônio Nóbrega em um artista de museu, um performer no sentido mais contemporâneo do termo. Após cada cena com Tonheta e seu carro multicolorido, cheio de ilusionismos simples, Carvalho insere coreografias do artista sobre um vidro, algo mais apropriado à dança contemporânea.

    O cineasta também decide levar os números de dança da companhia de Nóbrega às ruas de São Paulo. Embora as cenas na Avenida Paulista sejam belas e empolgantes, elas ocultam a origem rural e lúdica destes números. Brincante torna-se uma cápsula atemporal onde não existe cidade ou campo, centro ou periferia. A referência nordestina do personagem é incorporada ao ritmo frenético da megalópole paulista mas, diferentemente do que Wim Wenders havia feito em Pina, a intenção desta obra não é levar o erudito às ruas, e sim fazer o caminho inverso: transportar a arte mambembe ao profissionalismo do "cinema de qualidade" e ao ritmo empresarial da cidade.

    Por fim, fica a impressão de que Walter Carvalho filmou dezenas de cenas interessantes sem ter uma ideia prévia de como reuni-las posteriormente. O montador deve ter recebido horas e horas de material, com a responsabilidade de encontrar um ritmo coerente e uma evolução entre as cenas. O desafio é apenas parcialmente cumprido: apesar do tom veloz e divertido da projeção, as cenas não necessariamente se complementam ou se comunicam, constituindo um amontoado um pouco aleatório de números teatrais. Mesmo assim, o saldo de Brincante é positivo. O diretor soube privilegiar o que era mais importante na vida do artista: a sua arte.

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