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    Cássia Eller
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Cássia Eller

    Uma história inesquecível

    por Lucas Salgado

    A cena do documentário musical no cinema brasileiro já gerou coisas incríveis como A Música Segundo Tom Jobim, Loki, Arnaldo Baptista e Uma Noite em 67, mas também já produziu inúmeros longas que se resumiam a seguir a fórmula "imagens de arquivo + depoimentos", sem se preocupar em explorar caminhos desconhecidos da vida do documentado, optando apenas pelo caminho mais fácil, de contar o que todo mundo sabe. Isso pode até gerar filmes eficientes como Vinícius, Coração Vagabundo, Raul - O Início, o Fim e o Meio e Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei, para citar alguns, mas nunca resultará em um longa inesquecível. E este é o caso de Cássia.

    Dirigido por Paulo Henrique Fontenelle, de Loki Dossiê Jango, o filme conta a história da vida e da obra da cantora Cássia Eller. Um dos grandes nomes da música brasileira no final dos anos 90 e início dos anos 2000, Cássia já estourou neste universo com internet, canais de música e vasta imprensa. Em tese, era de se esperar que pouca coisa da história de Cássia estivesse fora do conhecimento popular. Mas o longa mostra que não é bem assim, oferecendo imagens históricas do início da carreira, em que atuou em peças com Oswaldo Montenegro, e abordando várias informações acerca da artista que nunca foram exploradas pela grande mídia. A melhor coisa que um documentário sobre uma pessoa pública pode fazer é ensinar coisas novas ao espectador e isso acontece sem parar em Cássia.

    Exibido fora de competição no Festival do Rio 2014, o longa explora bem a dicotomia da personalidade da artista, que era tímida fora dos palcos e explosiva em cima deles. "Música foi uma fuga da minha incapacidade de viver socialmente", diz em determinado momento. São várias as entrevistas pessoais e os depoimentos de parentes e amigos que colaboram com esta frase. Ela só queria cantar. E fazia isso como poucas.

    Cássia conta com inúmeros momentos emocionantes, mas é curioso notar que nem sempre tais momentos nascem das cenas que em tese seriam mais tristes. Ouvi-la cantando "Malandragem", "O Segundo Sol", dentre outras, vai levar o público a se emocionar mais do que quando o filme trata de sua morte. É impressionante a força da voz da cantora, tanto para as músicas mais leves quanto para os mais pesados rocks. A versatilidade da artista, que ia do rock ao samba, passando por Chico BuarqueEdith Piaf, era conhecida por parte do público, mas o documentário trata de deixar muito bem exemplificado.

    Trata-se de uma obra extremamente empolgante, elucidadora e, principalmente, corajosa. O filme não esconde a relação dela com as drogas e os casos que teve fora da relação de vários anos com a companheira Maria Eugênia, que é uma das principais entrevistadas da produção. O filho de Cássia, Chicão, aparece ao final do filme apenas para assombrar o espectador com as semelhanças com a mãe. Deve-se valorizar a opção ética do diretor de não explorar o garoto. Seria muito fácil colocá-lo para vários depoimentos ao longo da produção, mas é algo que realmente não teria sentido uma vez que ainda era muito novo quando Cássia faleceu em 2001.

    Um filme extraordinário sobre uma pessoa extraordinária. Conta com 120 minutos de duração, que passam de forma suave, e aborda quase toda a carreira da cantora. Seu início em Brasília, suas principais parcerias (musicais e amorosas), os grandes momentos da carreira e sua morte. Aborda ainda o tratamento da imprensa para seu falecimento. Para alguns, deve ser revelador descobrir que ela morreu em decorrência de um infarto e não da tão divulgada overdose.

    A presença do filho na vida de Cássia Eller também é explorada pelo filme, que conta com imagens do arquivo pessoal e ainda traz entrevistas em que ela falava sobre o menino, que chegou a influenciar na forma como ela cantava. É muito divertido vê-la numa entrevista para Jô Soares em que revelava ser a segunda cantora favorita do filho, perdendo para Marisa Monte. A produção também trata da breve, mas importantíssima, disputa judicial pela guarda de Chicão após a morte da artista, quando pela primeira vez na história a justiça brasileira concedeu a guarda de uma criança para uma companheira da mãe.

    É um filme para ser visto e revisto. E vá preparado para se emocionar e se arrepiar várias vezes ao longo da projeção. Conta com depoimentos marcantes de Nando Reis, Zélia Duncan, Lan Lan e muitos outros, além de uma leitura de cartas pessoais pela voz de Malu Mader. Os fãs de Cássia também gostarão de conferir momentos emblemáticos como a gravação do Acústico MTV e o lendário show no Rock in Rio. Mas a Cássia que fica para o espectador é a garota tímida, apaixonada pelo filho e que só queria cantar.

    Filme assistido durante a cobertura do Festival do Rio, em setembro de 2014.

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