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    Cisne Negro
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Cisne Negro

    CIRANDA DA BAILARINA

    por Lucas Salgado

    "Confessando bem / todo mundo faz pecado / logo assim que a missa termina / todo mundo tem um primeiro namorado / só a bailarina que não tem". O trecho da delicada canção "Ciranda da Bailarina" - ouvida pela primeira vez na peça musical "O Grande Circo Místico", de Chico Buarque e Edu Lobo - tem pouca ou nenhuma relação com as bailarinas retratada em Cisne Negro, mas tem forte vínculo com o próprio filme, principalmente no que diz respeito à ideia de perfeição.

    A música brinca com a figura da bailarina, que é certamente um retrato da delicadeza feminina, enquanto que o longa em todo momento mostra o quanto a busca pelo número perfeito influencia na vida de tal profissional.

    Passado em Nova York, Cisne Negro é bem mais do que um thriller psicológico, sendo na verdade um retrato perturbador do universo de Nina (Natalie Portman, na melhor atuação de sua ótima carreira). Bailarina profissional há vários anos, a jovem ganha a chance de assumir o posto de maior nome da companhia com a aposentadoria (forçada) de Beth (Winona Ryder).

    Junto com a responsabilidade de carregar nas costas o nome da companhia, Nina também tem que lidar com a inveja das outras bailarinas, com a rigidez do diretor artístico Thomas (Vincent Cassel) e com a presença superprotetora da mãe (Barbara Hershey, brilhante). Tudo isso causará uma forte pressão na protagonista, que passa a ter algumas alucinações.

    A situação ainda fica pior com a chegada de Lily (Mila Kunis, a eterna Jackie de "That 70's Show"), uma bailarina vinda de São Francisco que rapidamente chama a atenção na companhia e desponta como principal ameaça à Nina.

    Uma ex-bailarina que não alcançou a fama, a mãe de Nina fez de tudo para que esta seguisse seus passos. Por outros lado, parece não lidar bem com o fato da filha obter destaque na profissão em que fracassou. A performance de Hershey tem paralelos interessantes com outra mãe vista nos cinemas recentemente, a vivida por Melissa Leo em O Vencedor. As duas matriarcas demonstram de forma inusitada o carinho que sentem pelos filhos.

    O diretor Darren Aronofsky (Réquiem para um Sonho) retrata o mundo do balé com a mesma competência e profundidade com que fez com o universo da luta livre em O Lutador, com Mickey Rourke e Marisa Tomei. O principal mérito do cineasta é não deixar suas produções caírem em quaisquer gêneros, ou seja, por mais que Cisne Negro dê muito destaque ao balé não se trata de um filme para mulheres. Assim, como O Lutador também não era voltado para o público masculino.

    O tal cisne negro do título é uma referência à uma das personagens de "O Lago dos Cisnes", balé do russo Tchaikovsky que é recriado pela companhia no longa. Nina tem a honra/responsabilidade de dar vida à Rainha Cisne, interpretando tanto o cisne branco quanto o negro.

    As sequências de balé, em especial as do espetáculo, são absolutamente deslumbrantes. A cena da dança do cisne negro quase no final do filme tem tudo para ficar marcada como um dos mais belos momentos do cinema. Além dos talentos de Aronofsky e Portman, colaboraram para isso o diretor de fotografia Matthew Libatique - que trabalha com Aronofsky desde Pi - e o coreógrafo Benjamin Millepied. Curiosidade: Portman e Millepied começaram um relacionamento durante os ensaios para o filme e hoje estão noivos. O casal espera seu primeiro filho.

    Trazendo a câmera como testemunha da transformação de Nina em um cisne negro - e não mais a perfeita bailarina da ciranda - a fotografia de Libatique é extraordinária, fazendo do balé algo não apenas interessante, mas também brutal. Com raras exceções, o filme se passa basicamente à noite, o que colabora na criação de um clima tenso.

    A trilha sonora é um dos destaques da produção, o que já era de se esperar tendo em vista que utiliza sem medo a obra de Tchaikovsky. A presença do compositor russo na obra é tão forte que a trilha original composta por Clint Mansell (Novidades no Amor) acaba tendo como a função principal construir um clima de suspense.

    Black Swan (no original) conta com uma ótima edição de Andrew Weisblum (Viagem a Darjeeling), que dita o ritmo do filme com brilhantismo ao investir em planos rápidos e longos, e ainda dá significado às cenas que em tese seriam apenas de passagem de tempo - como o momento em que Nina acorda, prepara a sapatilha ou coisas do tipo. Tudo é importante no filme, que ainda tem o mérito de não se alongar de forma excessiva. São apenas 108 minutos de duração.

    Brincando com a ideia do canto do cisne branco, o filme é imperdível. Além de trazer um diretor e uma atriz no auge de suas formas, a produção merece destaque pela forma apaixonada e nada desinteressante com o qual trata o balé, fazendo-o atrativo para todos os públicos.

    No final das contas o perfeito é o imperfeito, aquilo que - como diz a música de Chico e Edu - "procurando bem, todo mundo tem".

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