Entre as gratas surpresas de 2024, O Estúdio desponta como uma das melhores e mais criativas séries de comédia do ano, consolidando-se como forte candidata nas premiações da temporada. Comandada por Seth Rogen e Evan Goldberg, a produção entrega um olhar tão satírico quanto carinhoso sobre os bastidores da indústria cinematográfica, transformando o universo caótico e vaidoso de Hollywood em combustível para um humor afiado, metalinguístico e extremamente atual.
A série já começou chamando atenção de forma inusitada, ao ser filmada em plena transmissão ao vivo do Globo de Ouro — quando Rogen e Catherine O’Hara, em meio ao tapete vermelho, encenaram cenas para o que viria a ser a produção da Apple TV+. Essa ousadia em brincar com o próprio realismo é um reflexo direto do espírito do seriado: uma obra que se alimenta da realidade para criar a comédia, muitas vezes flertando com o documentário, mas nunca perdendo o tom escrachado que caracteriza a dupla de criadores.
A grande sacada de O Estúdio está em como ela evita o caminho fácil de apenas explorar a fórmula “making of” e mergulha em uma crítica ácida, mas extremamente bem-humorada, aos dilemas contemporâneos da indústria. A busca desenfreada por lucros em detrimento da criatividade, os cancelamentos, a ascensão das inteligências artificiais e os debates sobre representatividade racial são tratados com irreverência, mas também com precisão cirúrgica. A série gira em torno de um pequeno estúdio que tenta encontrar espaço no mercado, tendo como pano de fundo o projeto do filme fictício “Kool-Aid” — mas essa é apenas a linha narrativa que conecta as absurdas situações vividas por seus personagens. O verdadeiro coração da obra está nas críticas embutidas no caos criativo do cotidiano hollywoodiano.
Cada episódio funciona quase como uma pequena crônica sobre os desafios da produção audiovisual, com arcos independentes que abordam diferentes absurdos e exigências da indústria. No centro da trama, um diretor recém-nomeado se vê dividido entre a paixão pelo cinema e as pressões corporativas para transformar arte em produto. Essa tensão entre idealismo e pragmatismo é explorada de forma cômica, mas também ressoa com uma autenticidade que revela o olhar crítico e carinhoso de quem realmente conhece os bastidores que está satirizando.
O roteiro é dinâmico, recheado de participações especiais memoráveis — de atores e diretores a CEOs que interpretam a si mesmos — e referências que fazem a alegria de qualquer cinéfilo. E aí está o único porém da série: sua comédia é fortemente enraizada em piadas internas, comentários metalinguísticos e códigos da cultura hollywoodiana. Para quem não é familiarizado com os bastidores da indústria, muitos diálogos e gags podem passar batido. Ainda assim, o humor físico e as situações bizarras garantem boas risadas até para quem não capta todas as camadas. Mas para o público já ambientado com o universo do entretenimento, a experiência é deliciosa: cada cena vira uma espécie de caça ao easter egg, um banquete de referências, nomes e ironias que nunca soam gratuitas.
Outro grande acerto é o ritmo da série. Com dez episódios de aproximadamente 30 minutos, O Estúdio nunca cansa, e encontra um equilíbrio raro entre o nonsense cômico e a crítica perspicaz. A forma como o arco principal do projeto Kool-Aid é construído com calma e só ganha resolução nos dois episódios finais mostra uma inteligência de montagem e estrutura que valoriza tanto o público semanal quanto os maratonistas.
No fim das contas, O Estúdio é uma carta de amor debochada ao cinema e à própria ideia de fazer cinema. Seth Rogen e Evan Goldberg constroem uma obra hilária, inteligente e incrivelmente atual — um reflexo distorcido, mas muito fiel da indústria que tanto amam quanto criticam. É daquelas séries que, além de divertir, fazem pensar, e que merecem ser revisitadas com atenção para cada detalhe escondido em seus episódios.