A franquia Alien sempre carregou um peso especial. Desde 1979, quando Ridley Scott apresentou ao mundo o horror claustrofóbico da Nostromo, cada nova obra que se atreve a expandir esse universo precisa lidar com uma herança quase impossível de sustentar: a fusão entre ficção científica, terror e reflexões existenciais sobre a humanidade. Com Alien: Earth, criada e dirigida por Noah Hawley, surge a primeira tentativa de transportar esse universo para a televisão em formato de série. E o resultado é, ao mesmo tempo, fascinante e frustrante.
A trama parte de uma premissa simples, mas promissora: uma nave espacial misteriosa cai na Terra, três anos antes dos eventos do primeiro filme da franquia. A partir desse acontecimento, um grupo de soldados e a jovem Wendy (Sydney Chandler) precisam encarar não apenas a devastação causada pelo acidente, mas também a presença de criaturas predatórias capazes de transformar qualquer encontro em um pesadelo. A proposta inicial é clara: mergulhar nas origens de um universo que já conhecemos, mas sob uma perspectiva inédita.
Nos primeiros episódios, Alien: Earth acerta em cheio. A nostalgia é palpável. Os corredores apertados da nave destruída em Prodigy City evocam imediatamente a atmosfera do clássico de 1979, misturando a tensão de Alien: O Oitavo Passageiro com a imersão assustadora que muitos jogadores conhecem do game Alien: Isolation. A ambientação é tão bem trabalhada que até os fãs mais desconfiados acabam sendo conquistados. O episódio 6, em particular, se destaca como um exemplo de como recriar o terror espacial em sua essência: um jogo de esconde-esconde mortal em cenários que respiram suspense.
Porém, à medida que a série avança, essa promessa inicial começa a se perder. O grande atrativo — o encontro com o Alien em si — dá lugar a uma exploração excessiva de híbridos, sintéticos e novas espécies. Essa escolha de Hawley é curiosa: por um lado, amplia o escopo do universo, criando uma espécie de manual biológico desses seres, algo que desperta curiosidade e mantém a atenção em cada episódio. Mas, por outro, acaba relegando a criatura mais icônica da franquia a um papel quase secundário. O Alien aparece pouco, perde o impacto e, em alguns momentos, chega a ser retratado de forma quase domesticada. Essa diluição da ameaça principal é um dos pontos mais polêmicos da série — afinal, como justificar que a obra que carrega o nome Alien se esqueça do próprio monstro que lhe deu origem?
O dilema não termina aí. Ao mesmo tempo em que falha em manter o Alien como força central, a série tenta compensar com um discurso filosófico e social. As reflexões sobre corporações que exploram vidas, o impacto da tecnologia na humanidade, a crise ambiental e a ascensão das inteligências artificiais são temas atuais e pertinentes. Mas o problema é que essas discussões acabam se concentrando em personagens pouco carismáticos, principalmente no núcleo dos híbridos — crianças com mentes infantis presas em corpos adultos. A ideia, embora intrigante, se arrasta em diálogos e subtramas que não têm força dramática suficiente para sustentar a narrativa.
Há ainda outra contradição que atravessa Alien: Earth. Se nos primeiros episódios a série é movida pelo terror do desconhecido — a ameaça escondida nos corredores e a incerteza do que habita na nave —, na reta final esse senso de urgência se dissolve. Wendy, a protagonista, descobre novas habilidades que a tornam praticamente invencível. Com isso, qualquer tensão construída até então se perde. É um contraste gritante: começamos a temporada com personagens vulneráveis, cercados por criaturas que poderiam matá-los a qualquer instante, e terminamos com uma protagonista que parece capaz de enfrentar qualquer coisa sem esforço.
Não se pode negar, entretanto, que Noah Hawley entende como criar atmosfera. O design de produção é um dos pontos altos: as naves, as cidades futuristas, os detalhes sombrios dos laboratórios e até mesmo os momentos de gore, sempre presentes em qualquer obra da franquia, são entregues com intensidade. É justamente esse cuidado visual que mantém a série conectada ao universo de Alien. O problema é que, por mais que a estética funcione, o roteiro não consegue acompanhar a mesma constância. Há quebras bruscas de ritmo, mudanças de foco repentinas e personagens que simplesmente não conseguem carregar o peso das reflexões propostas.
Outro ponto que incomoda é o final. Em vez de oferecer algum tipo de resolução, Alien: Earth aposta em um desfecho abrupto, recheado de perguntas sem resposta e um cliffhanger óbvio, claramente planejado para abrir caminho a uma segunda temporada. A decisão pode até agradar quem gosta de suspense prolongado, mas a sensação deixada é de frustração: após oito episódios de altos e baixos, o espectador merecia, ao menos, uma conclusão mais sólida.
Em resumo, Alien: Earth é uma obra ambiciosa, mas que tropeça em suas próprias escolhas. Tem momentos brilhantes, como os episódios iniciais e a recriação da atmosfera de 1979, mas também falha em pontos cruciais, como o tratamento dado ao próprio Alien e a inconsistência no desenvolvimento de seus personagens. Noah Hawley quis expandir o universo, mas acabou se distanciando demais daquilo que sempre fez dessa franquia um marco: o terror visceral e a sensação de impotência diante do desconhecido.
Ainda assim, Alien: Earth não deve ser descartada. Ela representa uma tentativa ousada de reinventar um universo consagrado, trazendo novas discussões e expandindo horizontes que o cinema talvez não tivesse espaço para explorar. Mas, ao mesmo tempo, é um lembrete de que, no caso de Alien, a simplicidade do terror pode ser mais eficaz do que qualquer ambição em excesso.