As Five, spin-off de Malhação: Viva a Diferença, trouxe uma proposta ambiciosa e inovadora ao acompanhar a transição da juventude para a vida adulta de suas cinco protagonistas. Produzida pelo Globoplay e criada por Cao Hamburger, a trama se desenrola seis anos após os eventos da novela adolescente, explorando de forma realista e profunda os desafios, frustrações e conquistas de Benê, Keyla, Tina, Lica e Ellen. Ao longo de suas três temporadas, a série se destacou pelo roteiro maduro, pela abordagem corajosa de temas contemporâneos e pelo desenvolvimento denso e multifacetado de suas personagens. Entretanto, nem todas as decisões narrativas foram bem recebidas pelo público, gerando discussões sobre o impacto do enredo e sua capacidade de manter a essência da amizade central.
Ao contrário de Malhação: Viva a Diferença, que, apesar de inovadora, ainda possuía uma linguagem mais leve e acessível ao público adolescente, As Five se assume como um drama adulto, com uma narrativa menos linear e mais introspectiva. Essa mudança se reflete não apenas na abordagem dos temas – que incluem alcoolismo, abusos no ambiente de trabalho, relacionamentos tóxicos e sexualidade –, mas também na estética da produção, marcada por uma fotografia mais sóbria e uma São Paulo representada de forma mais urbana e melancólica.
Essa mudança de tom foi um dos grandes acertos da série, pois respeitou o amadurecimento do público original e das próprias personagens. No entanto, também gerou desafios, pois, ao se distanciar do formato mais estruturado de Malhação, As Five adotou uma abordagem mais fragmentada e por vezes excessivamente contemplativa, o que nem sempre agradou a todos os espectadores.
Se em Viva a Diferença o grupo de amigas era inseparável, em As Five o tempo e as circunstâncias impuseram distâncias emocionais e geográficas. O primeiro episódio já estabelece essa nova dinâmica, mostrando que as protagonistas não se falam há três anos e que cada uma seguiu um caminho completamente diferente. Essa desconexão inicial funciona como um motor narrativo para a reconstrução de suas relações, que se dá de forma gradual e nem sempre harmônica.
Benê (Daphne Bozaski), que já enfrentava desafios devido ao Transtorno do Espectro Autista, agora lida com uma crise existencial desencadeada pelo término com Guto (Bruno Gadiol). Sua trajetória é uma das mais emocionantes da série, pois além das dificuldades profissionais, ela mergulha na descoberta de sua sexualidade ao se envolver com Nem (Thalles Cabral). Esse arco foi um dos mais elogiados, pois trouxe uma representação sensível e respeitosa das questões neurodivergentes e LGBTQIA+.
Keyla (Gabriela Medvedovski), agora uma mãe solo tentando equilibrar trabalho e criação do filho Tonico, enfrenta dificuldades financeiras e emocionais. Sua jornada na série é marcada pelo constante dilema entre a responsabilidade maternal e seus próprios sonhos e desejos. O relacionamento com Edu (Samuel de Assis), um homem mais velho e experiente, gerou debates sobre padrões de relacionamento e as dificuldades de se reconstruir após a juventude.
Tina (Ana Hikari) talvez seja a personagem que mais sofreu transformações. Em Viva a Diferença, ela era rebelde e desafiadora, mas em As Five sua rebeldia ganha contornos mais autodestrutivos, culminando em uma luta intensa contra o alcoolismo. Seu arco é um dos mais impactantes, pois aborda como traumas familiares e expectativas não atendidas podem gerar mecanismos de fuga perigosos.
Lica (Manoela Aliperti), que sempre viveu em meio ao luxo, agora se vê em uma jornada de independência. Seu desejo de se afirmar sem depender financeiramente da mãe (Malu Galli) é um dos pontos centrais da série. Além disso, sua relação com a ex-namorada Samantha (Giovanna Grigio) e sua dedicação à criação de uma revista feminista a colocam em uma posição de constante questionamento sobre sua identidade e propósito.
Ellen (Heslaine Vieira), que se mudou para os Estados Unidos para estudar no MIT, retorna ao Brasil e enfrenta um ambiente de trabalho hostil e racista. Sua trajetória expõe como mulheres negras muitas vezes precisam provar sua competência em ambientes corporativos predominantemente brancos. Sua relação com Maura (Tamirys O'hanna), advogada que a ajuda a enfrentar o abuso no trabalho, se torna um dos pontos altos da segunda temporada.
Um dos grandes méritos de As Five é a coragem de abordar temas relevantes e muitas vezes negligenciados na televisão brasileira. Questões como saúde mental, abuso de poder, racismo, machismo e sexualidade são tratadas de forma crua e realista, sem didatismos exagerados. No entanto, a série também foi criticada por algumas escolhas narrativas que pareciam forçadas ou desconectadas da essência das personagens, especialmente nas últimas temporadas.
O final da série gerou controvérsias, pois muitas tramas foram encerradas de forma abrupta ou sem a resolução esperada. Alguns espectadores consideraram que o arco de Tina foi concluído de maneira insatisfatória, e a evolução de Lica e Ellen deixou a desejar em alguns aspectos. No entanto, é inegável que As Five conseguiu consolidar seu espaço como uma produção inovadora e necessária dentro do cenário nacional.
As Five conseguiu o feito raro de transitar com sucesso entre o público adolescente e adulto, mantendo a essência da amizade que marcou Viva a Diferença, mas explorando com profundidade as incertezas e dores do crescimento. A série foi uma aposta ousada da Globo e do Globoplay, fugindo do formato tradicional e investindo em uma narrativa mais crua e complexa.
Se por um lado o roteiro acertou ao humanizar suas personagens e retratar com autenticidade os dilemas da juventude contemporânea, por outro, algumas escolhas narrativas poderiam ter sido melhor desenvolvidas para evitar lacunas ou tramas apressadas. Ainda assim, As Five se destacou como um dos produtos mais relevantes do streaming nacional, proporcionando reflexões importantes sobre a vida adulta e a resiliência das relações humanas.
A série encerrou sua jornada em 2024, deixando um legado significativo para a teledramaturgia brasileira e provando que histórias juvenis podem e devem crescer junto com seu público.