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    His Dark Materials 1x01: A Jordan de Lyra

    Nossas impressões sobre o primeiro episódio da série fantástica da HBO.

    Atenção! Contém SPOILERS do primeiro episódio de His Dark Materials, “Lyra’s Jordan”

    Depois de um desastroso filme que após uma recepção ruim jamais ganhou sequência, a saga Fronteiras do Universo chega à TV com a série His Dark Materials. Duas temporadas serão o suficiente para contar a história de Lyra Belacqua e sua jornada fantástica através de universos paralelos em busca do Pó e de sua misteriosa missão na Terra. James McAvoyDafne KeenRuth Wilson assumem a missão em uma série tecnicamente desafiadora, mas cujo primeiro episódio, apesar do primor em efeitos especiais e no realismo com os daemons, é um início burocrático para uma história rica em subjetivações e conceitos filosóficos.

    A trama se inicia em um mundo “muito parecido com o nosso”, mas não exatamente igual. O mundo de Lyra (Keen) é regido pelo Magisterium, uma organização ligada à Igreja Católica que comanda as leis, os estudos e o que se entende por sociedade. A garota é uma jovem órfã que vive na Universidade Jordan, escalando telhados e fugindo das aulas junto ao seu daemon, Pantalaimon, e ao melhor amigo, o ajudante de cozinha Roger (Lewin Lloyd). Lorde Asriel (McAvoy) é seu tio, um homem rígido que raramente faz visitas. E Lyra é uma criança feroz: curiosa, entediada, avessa a regras e com um destino maior do que ela mesma seria capaz de imaginar.

    A riqueza do universo de His Dark Materials está ligada diretamente à sua ideologia questionadora e tão desafiadora quanto a própria protagonista. É claro que o primeiro impacto, aquilo que é imediatamente contagiante em uma primeira impressão, é a existência dos daemons, a conexão intimista com seus humanos e o quão dolorosa é a simples ideia de qualquer ruptura. A abstração no conceito do Pó, apresentado aos catedráticos quando Asriel vai à Jordan pedir ajuda financeira para dar seguimento à sua expedição rumo ao Norte (um lugar que definitivamente não é para crianças), é a cereja de um bolo cujo sabor entenderemos perfeitamente só quando esta saga chegar ao fim. E essa é, na essência, a parte divertida da história: sabemos que há algo grande no caminho, que um urso de armadura está fadado a se tornar um dos melhores amigos de uma órfã que deveria ter medo, mas não tem, e que religião, ciência e autoritarismo se misturam e se contradizem a todo momento para que o leitor (ou, agora, o espectador) também busque questionar o que sempre foi dado como indubitavelmente certo.

    A curiosidade de Lyra é o que coloca a garota na Sala Privativa durante a reunião de Asriel, e que coloca em curso seu divertido e perigoso destino. Paralelamente a isso, à apresentação (deliberadamente confusa) do que é o Pó (um elemento de origens e consequências desconhecidas), como ele afeta crianças e adultos de formas diferentes e de como este elemento pode levar à descoberta de outros universos, descobrimos também que algumas crianças estão desaparecendo sem explicação. Isso vem a princício com o sumiço de Billy Costa (Tyler Howitt), um menino Gípcio (ou seja, de um grupo de pessoas que vivem em embarcações, sem um lugar fixo e se sustentam do comércio) é raptado em meio a uma comemoração e sua mãe, Mãe Costa (Anne-Marie Duff) entra em natural desespero.

    Para Lyra, uma conspiração que rapta crianças não passa de uma lenda. Dizem por aí nas ruas de Oxford que os responsáveis por isso são os Papões, que nenhum medo causam à menina. até porque ela está ocupada com outras coisas. 

    Sua natural aversão à rotina e aos estudiosos que a rodeiam toma outra guinada quando ela é apresentada à Sra. Coulter e se encanta com ela imediatamente. A mulher promete à menina uma vida confortável na cidade, e justamente por isso o reitor (Clarke Peters) entrega a ela um misterioso instrumento que supostamente diz a verdade: o Aletiômetro.

    Como seria de se esperar de qualquer criança, Lyra não está exatamente empolgada com todas essas mudanças ou interessada em deixar a Jordan. Até o momento em que o seu próprio melhor amigo, Roger, também não é mais encontrado em lugar algum e ela passa a realmente acreditar que talvez os Papões existam. 

    Mas, neste primeiro episódio, apesar de uma apresentação extremamente correta e à risca da história, estamos diante de um episódio rico em efeitos visuais, mas vazio de todo esse brilho que fez da saga escrita por Philip Pullman algo tão empolgante. Existe algo entre inocência e muita raiva do mundo em Lyra, talvez as principais características que fazem dela alguém que não mede esforços mas, no fim das contas, não entende por que é rechaçada exatamente por isso. Estes traços de sua personalidade estão ali, e se o trabalho de Keen em Logan tem algo a dizer além do que já foi dito, é que ela é capaz de entregar todas essas nuances.

    Quando estamos diante de um universo tão detalhado e complexo como o de Fronteiras do Universo, a estranheza neste primeiro episódio está justamente na forma pouco inventiva como tudo é colocado: uma cartela faz-se necessária para explicar o que teria muito mais efeito se fosse exposto ao longo do episódio: a relação de Lyra com Pan (dublado por Kit Connor) é uma das mais importantes para a história, mas aqui o pequeno daemon fica quase escanteado e pouco entendemos do quão importantes são os daemons e que eles estão longe de serem animais de estimação; entender melhor o que constitui esse mundo e como funciona a Faculdade Jordan fariam desta uma apresentação mais homogênea, pois em momento algum o episódio parece interessado em familiarizar o público de fato com a história. A empolgação fica por conta da expectativa do que virá a seguir, do que Lyra vai aprender com a Sra. Coulter (Wilson) e da estranha missão de Asriel.

    Ironicamente, talvez seja exatamente a maneira como o episódio segue quase à risca o livro, com pouca coragem para se arriscar em novas vertentes, que faz de “Lyra’s Jordan” um episódio frio e emocionalmente distante. Pouco ajuda a direção tradicionalista de Tom Hooper (A Garota Dinamarquesa, O Discurso do Rei), mas fica o desejo por mais e por uma história que não tema tocar nas feridas que fazem da obra de Pullman uma trilogia que atravessa gerações.

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