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    "Às vezes me lembra muito o Boyhood": Elenco e equipe falam sobre a nova temporada de Cidade dos Homens

    Acerola e Laranjinha voltam para a tela da TV Globo no dia 2 de janeiro.

    Cidade dos Homens fez história na televisão brasileira ao ser um dos raros produtos culturais veiculados em TV aberta estrelado por um elenco de atores negros, de origem humilde e mostrar o cotidiano das favelas. Em meio à tenacidade da violência urbana, das ações de traficantes de drogas e da exclusão social, a trama das primeiras quatro temporadas da série, exibidas entre 2002 e 2005, trouxe uma abordagem com ênfase na amizade como a forças motora do enredo.

    A atração foi a vitrine dos atores Douglas Silva e Darlan Cunha, protagonistas. Os dois atuaram juntos pela primeira vez no curta-metragem Palace II (2000) e também estiveram, ainda crianças, no elenco de Cidade de Deus (2002), marco do cinema nacional no século XXI. Depois do sucesso original da série no início da década passada, com direito a indicação ao Emmy, a dupla voltou a viver os amigos Acerola e Laranjinha no filme de Cidade dos Homens lançado nos cinemas em 2007 e retornou às telinhas no início de 2017, agora explorando o formato de minissérie de quatro episódios. Em 2018, novos capítulos da jornada dos dois amigos que se empenham para superar as adversidades do cotidiano chegam à TV Globo no dia 2 de janeiro.

    Globo/Gshow

    "Um dos grandes temas do Cidade dos Homens é a amizade. É uma história sobre o afeto", afirmou George Moura, supervisor de roteiro da minissérie durante uma conversa com jornalistas para promover a atração em um evento realizado no Rio de Janeiro no último dia 15 de dezembro. O encontro contou ainda com a presença de Douglas e Darlan, além das atrizes Roberta Rodrigues e Camila Monteiro, do autor Marton Olympio e do diretor-geral Pedro Morelli (Zoom).

    Enredo

    Com uma série que traz tanta bagagem, Moura prometeu que os novos episódios contarão com flashbacks "porque é muito legal a gente ter esse elenco maravilhoso e a possibilidades deles voltarem a representar os personagens que eles fazem há muito tempo". Segundo ele, a intenção foi explorar "a memória dos personagens e a memória dos atores".

    Durante a coletiva de imprensa, foi exibido um material em vídeo com imagens da nova temporada. Desta vez, Acerola (Douglas Silva) está desempregado e em crise por não conseguir prover o que é necessário para sua família. Casado com Cristiane (Camila Monteiro), com quem tem dois filhos incluindo o menino Clayton (Carlos Eduardo Jay), ele acaba fazendo um bico que se revela a maior emboscada. Obrigado a dirigir um caminhão com carga roubada, Acerola se vê em uma berlinda. Enquanto isso, Laranjinha terá de lidar com o retorno de Poderosa (Roberta Rodrigues), que está disposta a retomar um lugar na vida de Davi (Luan Pessoa), filho que deixou aos cuidados do pai mais de 10 anos antes. A disputa vai parar na vara da família, mediada por uma juíza interpretada por Júlia Lemmertz.

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    Em meio a guerra entre taficantes e policiais que tira a tranquilidade da comunidade onde Acerola e Laranjinha vivem, retorna também o personagem João Vitor (Thiago Martins), playboy que apareceu na primeira temporada da série, em 2002, e reaparece como um professor da escola na favela onde Clayton e Davi estudam.

    "Acerola deixa de ser uma criança, um garoto, vira um pai de família e automaticamente vem a responsabilidade", comentou Douglas sobre a nova postura de seu personagem, agora adulto. "A série voltou e a vida dele estava muito diferente do que era antes", disse Darlan, que também comentou as mudanças em Laranjinha. "Realmente eu acho que ele se transformou, e o foco dele agora é o bem-estar do filho."

    "A gente tem dois plots principais: tem o plot do Laranjinha, que é uma questão de paternidade e maternidade, e o Acerola tem um plot mais de ação", comentou Pedro Morelli. Com quase a mesma idade dos protagonistas, o diretor-geral de Cidade dos Homens conhece a série desde cedo. Pedro é filho de Paulo Morelli, que trabalhou no roteiro e direção geral da atração entre 2003 e 2005. "Nas primeiras temporadas, eu acompanhava as filmagens e eu estava na faculdade de cinema. Eu ia no set, eu ficava deslumbrado e vendo os moleques que tinham uma idade próxima à minha inclusive e agora que eu estou dirigindo isso", contou.

    O diretor disse que seu desafio nesta nova temporada foi casar a ação do arco do Acerola com o drama do arco dedicado ao Laranjinha. "A gente está quase sempre alternando uma cena delicada com uma cena de ação, então a gente não para um segundo, a gente tem um equilíbrio", disse.

    Morelli ainda disse que Cidade dos Homens "às vezes lembra muito" Boyhood - Da Infância à Juventude por conta da oportunidade de acompanhar as evoluções do elenco ao longo dos anos. "Quando você faz filmes, muitas vezes você precisa ou trocar o elenco ou dar uma maquiagem para mostrar a passagem do tempo. Aqui a gente passou 10 anos, passou 15 anos de verdade."

    Representação negra

    Se a televisão brasileira foi um espaço de marginalização de atores negros, em Cidade dos Homens eles estão na linha de frente. Quando a série começou a ser exibida na TV, os debates sobre representatividade ainda eram menos frequentes do que são hoje. Darlan Cunha consegue ver diferenças na forma como a questão racial é tratada no Brasil de 2017 e sua experiência no Brasil de 2002. "A gente vê o quanto era importante o que a gente fazia lá no passado", contou o intérprete do Laranjinha. "Eu acho que tanto na televisão como nas redes sociais, os negros hoje em dia se filmam e querem ser ouvidos, eles querem mostrar sua opinião. Existe um monólogo interno, existe um personagem dentro de cada um e há 15 anos ninguém queria expor isso, e todo mundo se julgava. O próprio negro falava assim: 'ah, seu cabelo é duro!'. Hoje se veem mais negros presentes na TV. O Cidade dos Homens semeou isso lá atrás", avaliou.

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    George Moura relembrou de um episódio mais antigo de Cidade dos Homens, com roteiro escrito por ele, no qual Acerola está se arrumando e, antes de sair, olha para si mesmo no espelho e percebe sua própria beleza. "Quando eu vi aquilo no ar, vi um negro olhando-se no espelho e dizendo 'tô bonito hoje'. O negro não estava no fundo do quadro, não estava vestido de serviçal, nem estava servindo um branco. Ele estava se olhando e dizendo 'tô bonito hoje'. Isso 13 anos atrás. Eu me lembro que eu escrevi, e quando eu vi aquilo, aquilo me deu um impacto, e me impacta até hoje."

    Apesar dos avanços, ainda há muito o que conquistar para que o retrato étnico que se vê na televisão e nos cinemas seja mais condizente com a realidade racial do Brasil. "A mulher negra, atriz e de comunidade carrega uma responsabilidade muito grande", disse Rodrigues, ao avaliar sua própria trajetória pessoal. "Eu sempre vou ser a Roberta, que é aquela atriz negra. E eu até falei isso no documentário do Cidade de Deus – 10 Anos Depois. Eu falei que eu não quero fazer a personagem 'advogada negra', eu não quero fazer a 'médica negra', eu quero fazer a médica, pois eu sou atriz. O meu DRT [registro profissional] é igual ao das outras atrizes, não tem cor diferente, não tem nada diferente."

    Comentário social

    Durante a coletiva, o elenco ressaltou em diversas ocasiões que, apesar de Cidade dos Homens envolver personagens que vivem em comunidades carentes, há universalidade naqueles conflitos éticos, sociais e sentimentais. 

    "Em Cidade dos Homens a gente não mostra só problemas da favela, a gente mostra problemas da sociedade", explica Silva. "A gente tem que começar a ter essa conscientização, principalmente no Rio de Janeiro, de que isso aqui é um todo. A favela é tudo. O Rio de Janeiro é uma favela, entendeu? A gente tem que parar com essa separação", completou Rodrigues.

    Poderosa

    Roberta Rodrigues foi a voz mais eloquente da conversa com a imprensa e compartilhou suas percepções sobre a Poderosa, ex-funkeira "louca desvairada" que "se envolvia com os marginais daquele lugar" que retorna como uma mulher convertida à religião evangélica, disposta a ocupar algum espaço na vida do filho que não vê há mais de 10 anos.

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    "Eu fiquei muito feliz de ter sido convidada pra voltar pro Cidade dos Homens, porque é um xodó, eu confesso. E eu fiquei muito feliz também de poder voltar redimindo essa mulher, transformando ela numa pessoa melhor, não que ela tenha perdido a essência dela da alegria, da vaidade, mas ela descobriu que tem outros caminhos, tem um caminho mais legal pra se trilhar. Então, esse encontro é bem emocional, dela ter essa responsabilidade também de ter que mostrar pra esse cara, pro Laranjinha e pro filho, que ela é apta a ter o filho de volta", conta.

    Em fevereiro deste ano, Rodrigues deu a luz à Linda Flor, sua primeira filha. A atriz contou que experimentar a maternidade a fez pensar muito em sua forma de lidar com a arte. "No processo da gravidez eu refleti muito. Nesse tempo você fica meio sozinha. E eu refleti cada personagem que eu fiz na minha vida." Ela relata que chegou a se preocupar com os papéis que faria depois da gestação até que passou a encarar as propostas de trabalho de forma mais criteriosa. "Agora eu quero sentar e eu quero estudar meu personagem".

    Ao ser perguntada como se preparou para viver uma Poderosa transformada, Rodrigues afirmou que "conhece muitas pessoas que são evangélicas dentro da comunidade, dentro do [morro do] Vidigal [na zona sul do Rio de Janeiro]". Para a atriz, a mudança no estilo de vida de sua personagem não tem relação com fanatismo religioso. "Poderosa volta evangélica, ela grava o CD e se transforma numa cantora, pois o sonho dela é ser cantora. A religião para ela foi como se fosse um carinho. Eu acho que a religião é um carinho, é algo que te cuida, é algo que você se sente bem. E não pode ser uma doença, você não pode ser alienado."

    Ao ser questionada por uma jornalista sobre a Poderosa abandonar o filho na ficção quando, na vida real, os homens são os genitores que mais deixam seus filhos à mercê do cuidado da mãe, Rodrigues defendeu sua personagem. "O que ela ia fazer com o filho? Ela ia levar o filho pra loucura? Ela abriu mão por amor. Às vezes o amor também está nas maiores dores, às vezes você tem que abrir mão de coisas."

    Forma e conteúdo

    Morelli prometeu que os novos episódios serão mais cinematográficos do que os vistos em janeiro de 2017. "A série tem uma estética única, uma estética cinematográfica, uma coisa que destoa completamente do que a gente está acostumado a ver na TV", disse.

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