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    Insecure: As esperadas falhas da vida adulta brilham (Crítica da segunda temporada)

    A comédia criada e protagonizada por Issa Rae mergulha em um caminho cada vez mais interessante.

    Nota: 4,0 / 5,0

    Como o retrato de uma jovem negra morando em uma das áreas menos favorecidas de Los Angeles, Insecure foi uma das estreias mais empolgantes de 2016. A comédia semi-autobiográfica perseverou durante o incrível primeiro ano com um olhar novo e vibrante da ‘Cidade dos Anjos’, mas brilhou com muita garra e inteligência, de verdade, no segundo.

    A segunda temporada não necessariamente ‘reinventa’ a série, mas vai sem medo em temas mais sensíveis e ora controversos. Agora solteira, Issa (Rae) tem um novo objetivo de redescobrir o mundo e a si mesma, ao mesmo tempo que a narrativa se divide entre Issa e Lawrence (Jay Ellis). Enquanto isso, os personagens coadjuvantes, sobretudo Molly (Yvonne Orji), ganham mais espaço dentro da narrativa, sem depender necessariamente dos pontos de vista alheios.

    Com tudo isso, a temporada só tem a ganhar. Se a primeira era a descoberta de terreno, pé ante pé observando o ambiente em que estava se inserindo, a segunda aproveita a ótima recepção para estabelecer o seu lugar ao sol. Através de Issa e Molly, a vida da “mulher moderna e independente” é desmitificada. Não há muito espaço para glamour ou uma vida regular e perfeita para estas mulheres que estão lutando a cada dia para manterem o seu espaço e terem suas vontades ouvidas, sem perder a maestria. Por isso, a ideia do status é questionada; nenhuma delas tem exata certeza do que está fazendo (alguém, de verdade, poderia dizer que tem?), mas elas acreditam em quem são e em seus próprios potenciais. E isso é, muitas vezes, o máximo que se pode fazer.

    Na maioria dos episódios da segunda temporada de Insecure, não há realmente acontecimentos marcantes em cada um deles — como é de fato com a maioria das boas comédias. Ao contrário, cada uma das histórias gira ao redor de um tema específico e aí os personagens se desenrolam a partir disso: namoro, relacionamentos de amizade, traição, aplicativos de encontro, os altos e baixos da vida profissional, etc. Neste quesito, o maior trunfo da série, e dos nomes por trás da obra, é a habilidade de navegar por estes tópicos tão variados, tão rotineiros e tão marcantes, com uma facilidade admirável. Uma piada ou um comentário sarcástico faz a transição. Adicione à mistura o carisma sem medidas de Issa Rae e a sua tamanha expressividade, e Insecure torna-se irresistível.

    A inventividade que percorre a construção de cada um dos episódios se destaca com mais força em alguns momentos específicos, e marcantes. Há uma sequência divertida e honesta que monta vários encontros de Issa com homens que conheceu por aplicativos, e as conversas automatizadas se misturam e vão se sobrepondo de maneira insana; em outro momento, o episódio se divide em três perspectivas sobre um mesmo período de tempo — uma estratégia que, embora não seja necessariamente inédita, é bastante divertida quando usada com propriedade. Há também desconfortáveis festas, um jantar de aniversário bastante atordoado, encontros indesejados e uma participação especialíssima de Sterling K. Brown. E, o melhor de tudo, em nenhum destes momentos o roteiro perde o equilíbrio ou se desestrutura em meio a tantos personagens.

    Mas apesar do humor curto e ácido, Insecure joga bem com as emoções e vai de forma honesta nas feridas da relação entre Issa e Lawrence e das questões profissionais da protagonista. Ao mesmo tempo que exala confiança, existe também uma oportuna e muito bem colocada vulnerabilidade nos pontos certos. Como mulher navegando entre frustrações e momentos surreais, enxergar os próprios dilemas diluídos nas vidas daquelas personagens não é difícil, mas também não é apenas este o fator que tira Insecure do lugar comum. É a bravura de não ser apenas um, e assumir esta confusão de sentimentos — a indecisão, no fim das contas — como um fator quase universal. Sem necessidade de validação.

    É verdade, Insecure navega perto de comédias como Atlanta, Master of None, Better Things. O que elas têm em comum é o olhar honesto quando colocam o holofote sobre pessoas que antes eram o gancho da piada, e agora são as contadoras de suas próprias histórias. Mas o que elas têm de diferente — ou melhor, o que Insecure especificamente tem como particular — é a destreza para tratar da variedade de temas e pensamentos sem medo do cinismo. Insecure nunca trata os problemas de Issa ou Molly como exageros ou mimos. Elas são reais; as suas questões e falhas, também.

    Sacou qual é a graça da parada?

     

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