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    Todo Dia: Tom sobrenatural atraiu pessoas que jamais veriam história sobre fluidez de gênero, diz autor do livro que inspirou o filme (Entrevista)

    David Levithan passou pelo Brasil e falou sobre a adaptação de sua obra, que teve o desafio de escalar 16 atores para viver o mesmo personagem no cinema.

    Divulgação

    O adorado A Culpa é das Estrelas, o recente Com Amor, Simon e até mesmo a estreia da semana Para Todos os Garotos Que já Amei: não são poucos os livros do gênero young adult que vem ganhando adaptações bem-sucedidas para o cinema e plataformas de streaming. A diferença é que enquanto todos estes focam em personagens de carne e osso, a releitura de Todo Dia trouxe para a tela grande um personagem que não tem um corpo físico para chamar de seu.

    Adaptação do livro homônimo escrito por David Levithan, Todo Dia consegue contar uma história com tom levemente sobrenatural usando uma ambientação simples. Na trama, A acorda a cada dia no corpo de uma pessoa e precisa se adaptar a diferentes estilos de vida e corpos que não são realmente seus. O ponto de partida do autor foi a simples pergunta: como seria mudar de corpo todos os dias? 

    O filme chegou aos cinemas brasileiros no último mês e o AdoroCinema aproveitou a recente passagem do premiado autor pela Bienal do Livro para conversar sobre a adaptação e também entender como o cinema pode se aprimorar no quesito representatividade, algo que Levithan sempre buscou em suas obras.

    Todo Dia é a prova de que não precisamos de muito para contar histórias fantásticas. De onde veio a ideia para o livro e o que você esperava que os leitores, e agora a audiência, sentissem?

    Levithan: O livro veio quando um dia eu ia para o trabalho e pensei “Como seria mudar de corpo todos os dias?”.  Isso significaria não ter um gênero, não ter uma raça, não ter pais e eu achei muito interessante. Eu não sei porque eu pensei nisso, como eu estava me sentindo sobre meu próprio corpo na época, mas essa ideia ficou comigo e resolvi usar no livro. Quero que o público se pergunte: “Quanto da minha personalidade é separada do corpo em que eu estou? Posso definir minha vida não pela maneira que as outras pessoas me vêem, mas por como eu ajo?". Foi muito mais fácil fazer isso no livro, obviamente. No filme eles precisaram achar 16 atores que te convençam ser a mesma pessoa. Foi incrível como eles conseguiram, era uma piada que eu fazia com o Michael Sucsy, o diretor, que eu tinha feito a parte fácil e ele teve que tornar isso em realidade.

    No livro a história é contada pelo ponto de vista de A, mas no filme acompanhamos a partir de Rhiannon. O que você achou dessa mudança? Era realmente necessário para o filme?

    Levithan: Nós sabíamos que a Rhiannon (Angourie Rice) seria o ponto de referência do filme, pois é a mesma atriz. A única coisa que eu disse quando vendi os direitos do livro foi que A tinha que ser feito por diferentes atores. E quando o Jesse Andrews, nosso roteirista, começou a escrever ele disse “Sabe de uma coisa? Isso realmente é a história dela”. O engraçado é que emocionalmente nós tocamos nos mesmos pontos, mesmo que de maneira individual.

    O filme deixa de lado algumas reflexões e também acaba sendo um pouco mais leve que o livro, especialmente no que diz respeito à vida amorosa e sexual dos personagens. O que você achou da adaptação?

    Levithan: Eu não me importei muito. Gosto de pensar que o filme é um ótimo comercial para o livro. Se você ver o filme e depois ler o livro, vai entender o que está se passando pela cabeça de A. Eu entendi porque eles fizeram como eles fizeram, obviamente seria ótimo ter botado mais material, mas eles estão fazendo um filme de duas horas e não uma minissérie de seis horas. Você precisa cortar alguma coisa (risos).

    Getty Images

    O desejo pelo corpo físico é algo muito comum na ficção científica, por exemplo, uma inteligência artificial que quer um corpo para viver no mundo físico. No entanto, A não parece ter esse desejo. Como você o descreveria? Ele é uma alma, um espírito? Como você explicaria para alguém que ainda não teve a oportunidade de ler o livro?

    Levithan: A palavra que eu usaria é “eu”. A é um “eu”. Algumas pessoas chamam de alma, mas para mim é algo mais interno, é quem você é quando não está se encarando no espelho, quando é só você com você mesmo. Tipo um ego. O motivo disso não ser estranho para A é porque a vida dele sempre foi assim, então é algo normal. No filme nós não vemos esse estranhamento, mas eu tenho certeza que isso aconteceu mais cedo.

    A também é um personagem gender fluid e nós não vemos muito disso no cinema em geral. Inclusive em termos de diversidade, o mercado editorial está muito à frente do mercado cinematográfico. O que podemos fazer para acabar com esse atraso e como fazer isso da forma certa?

    Levithan: Para mim é importante ser genuíno e respeitoso com os personagens e contratar atores que os reflitam. Na escalação de elenco de Todo Dia nós procuramos ter certeza que A não acordasse só no corpo de garotos e contratar também um ator trans (Ian Alexander) foi muito importante. Ter ele falando “Você vê uma coisa mas não é isso que eu sou” foi muito mais poderoso sendo falado por ele do que por qualquer outra pessoa.

    É claro que o livro fala de não-binários, é claro que é sobre identidades fluídas, mas eu amo o fato de que, por ser uma ficção mais sobrenatural, muitas pessoas que nunca leriam um livro sobre fluidez de gênero e personagens trans vão querer ler. Algumas vezes você precisa dessa espécie de manto sobrenatural para botar as pessoas para se questionarem e pensarem “verdade, por que eu seria definido pelo meu corpo?”. Se eu não sou definido por meu corpo, não preciso ser um garoto ou uma garota. Eu acho que o filme era muito consciente disso e sabia que, possivelmente, essa seria a mensagem que se espalharia, que talvez pessoas que são fechadas a isso se abririam por se tratar de uma ficção diferente.

    Quais suas adaptações favoritas de livro para filme?

    Levithan: Meu deus, são tantas! (risos) Gosto de Eu, Você e a Garota que Vai Morrer, As Vantagens de Ser Invisível, foi uma ótima adaptação, e fora do universo YA eu diria que As Horas também é uma das minhas favoritas.

     

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