Depois de rodar por festivais em 14 países e ser eleito o melhor longa-metragem latino-americano no Cine de La Sirena no Chile em 2017, Os Incontestáveis acaba de chegar às salas brasileiras. O primeiro longa do diretor Alexandre Serafini conta a história de dois irmãos, Bel e Mau, que viajam pelo Espírito Santo em busca do carro desaparecido do pai, um Maverick 77.
A bordo de um Opala amarelo, a dupla persegue o histórico do veículo da família cruzando os mais diversos cenários do estado capixaba, do eucalipto às grandes fazendas, e ainda tem a chance de conhecer os mais diversos tipos pelo caminho. A jornada é cheia de bebida, rock 'n roll e nada de cinto de segurança.
Quem vive os dois caras na tela grande são os músicos também responsáveis por parte da trilha sonora do filme: Will Just, da banda The Muddy Brothers, e Fábio Mozine, do Mukeka Di Rato e também do selo Lajä Records, que já lançou bandas importantes do underground nacional. Completam ainda o elenco nomes como Tonico Pereira e Fernando Teixeira.
Ambos de Vitória, Serafini e Mozine já haviam trabalhado juntos no primeiro clipe da banda do músico e conversaram com o AdoroCinema sobre o lado punk de fazer um road movie tipicamente brasileiro nos cenários ainda pouco explorados do Espírito Santo.
No filme, os personagens viajam atrás do Maverick do pai num Opala amarelo. Na cultura pop brasileira a gente tem vários carros famosos dessa cor - a Brasília, o Camaro... A escolha foi proposital? De onde vem essa paixão por carro e por que isso rende uma boa história?
Alexandre Serafini: Na verdade partiu do Saulo Ribeiro, co-roteirista do filme, que depois até romanceou o roteiro e publicou o livro. Ele tem essa paixão por carros desde a infância e eu tenho muita paixão por road movies e os clássicos têm esses carros maravilhosos. Tem Dirty Mary, Crazy Larry (Fuga Alucinada), que tem um carro amarelo maravilhoso e tem um filme muito forte na construção de Os Incontestáveis que é o Two-Lane Blacktop (Corrida Sem Fim) do Monte Hellman, que é um filme sobre pega dos anos 70 e têm esses carrões. Eles tem uma mística, tem fã clube. As imagens do filme tem deixado as pessoas loucas, muito interessadas em ver.
Como foi rodar com esses carros antigos em estradas que, muitas vezes, não são tão boas e até estradas de terra?
Fábio Mozine: De qualquer crítica que alguém fizer um dia desse filme, eu espero que alguém fale "Porra, esse cara dirigiu esse carro!”. Nós usamos o Maverick de um amigo nosso que mora em Vitória e o Opala o Serafini comprou não sei onde, então esse carro veio com todo tipo de defeito.
Serafini: É, a gente preparou ele só para rodar mesmo, o carro estava bem ruim. Sempre depois das filmagens ele ia para o mecânico para deixar pronto para filmar outro dia. E foi bem difícil, tanto que no meio da filmagem o motor bateu.
Mozine: Imagina dirigir aquele carro no verão do Espírito Santo, fazendo 40°C, com uma calça jeans cheia de coisa enfiada dentro porque não podia aparecer os microfones, com uma marcha dura, o freio falhando, a embreagem quebrando e um cara no walkie-talkie te dizendo “Mantem 60 km/h, olha para o lado do seu irmão e aproxima da grua” e ainda mandar as falas. Isso tudo sem cinto de segurança porque os personagens não usavam cinto de segurança. Eles bebiam dirigindo e iam. Não foi fácil, não.
A sensação é de que o filme é muito orgânico, não só na interpretação quanto nos cenários, que parecem muito reais. Quanto a produção interferiu e qual a proporção entre texto e improviso?
Serafini: Quanto ao cenário, a gente realmente quis interferir o mínimo possível nos locais. Foi um trabalho interessante e muito incrível da nossa diretora de arte, a Joyce Castello, de achar esses lugares e com poucas intervenções eles serem tão significativos.
Mozine: Em Cotaxé, na cena do bar, tinha um bêbado vindo quando a gente estava filmando e até falamos “Não passa aqui, a gente está gravando!” e ele respondeu “Como assim não passa aqui?! Eu vou entrar no meu bar!” e entrou e acabou a cena. Lá é terra de matador, terra de gente que anda armada, onde realmente foi palco daquele conflito, então a gente disse “Tranquilo, fechou a cena” e terminou.
Serafini: E isso leva a coisa do improviso. Eu gosto de trabalhar assim. A gente tinha as linhas e eu gosto de deixar os atores desenvolverem porque às vezes o que está escrito é impronunciável, não cabe na boca do ator.
Mozine: É engraçado que eu sabia os textos, eles são pequenos e não é tão difícil de decorar, mas algumas palavras a gente ia mudando, sempre mantendo o sentido da frase e aonde a gente queria chegar. A gente tentava encontrar um meio-termo ali: não dava para ser eu, Fábio Mozine, porque eu não ia conseguir atuar, eu não sou ator... Eu pensava muito na minha irmã, que é mais nova, quando eu contracenava com o Will. Algumas coisas eu pensava nela para falar: “Como eu falaria isso para minha irmã?”, “Como eu daria um esporro nela?”, esse tipo de coisa.
Mozine, você tem uma carreira superlegal na música underground. Como você entrou no filme? Já tinha passado pela sua cabeça atuar?
Mozine: Eu remei muito antes de decidir... A primeira coisa que me convenceu foi o apelido do filme, “Maveco”. Eu também tenho essa mística do Maverick, lembro do meu pai falando “Olha aquele carro ali, vou comprar um carro desses para a gente um dia!". Mas eu sou um cara da música. Não sou ator e não tenho pretensão de continuar fazendo, foi um trabalho muito penoso fisicamente falando. Tem que aproveitar a primeira luz, acordar cedo, viajar, botar o figurino, passa sujeira, passa graxa.
Demorou para convencer o Mozine?
Serafini: Anos. Foram anos mesmo porque a gente escreveu esse roteiro entre 2011 e 2012 e aí eu comecei “Pô Mozine, eu tô com esse roteiro que eu queria que você fizesse”. Só que até o filme ter uma verba, uma possibilidade de acontecer, demora muito tempo. Eu fiz testes de elenco para os personagens e achei atores maravilhosos, que me deixaram seguros com personagem, aí eu falei “Agora vou convencer ele”.
Mozine: Foi difícil. Eu tenho uma imagem que eu sou muito doido, um cara doidão, mas quando eu estava tentando encontrar o Bel eu falei: “Velho, eu não sou assim. Eu sou um cara muito carinhoso, eu não trato ninguém assim, não falo com ninguém assim”. (risos)
A partir da metade, o filme entra numa alegoria sobre uma história real do Espírito Santo que muita gente não conhece. O que mais as pessoas não conhecem do estado que elas deveriam conhecer - além da música, é claro?
Mozine: O Espírito Santo todo é muito legal. É um estado pequeno e cheio de coisas interessantes: temos uma região de montanha que é muito fria, as dunas de Itaúnas que parecem um deserto, praias belíssimas. Tem os Pomeranos, que é um grupo da Alemanha que não se acha mais em nenhum lugar e fala outra língua a 80 km de Vitória. E enquanto está fazendo 40°C na praia em Vila Velha, na montanha está fazendo 14°C.
Serafini: Para filmar é muito interessante também. Tem uma questão logística legal porque você tem uma variedade de cenários sem fazer traslados imensos. A equipe, que é muito bacana, também é toda de lá.
Mozine, depois dessa experiência você tem planos de trabalhar mais no cinema como ator ou produzindo trilhas sonoras? Ou é uma história encerrada?
Mozine: Não dá para dizer que é um capítulo encerrado porque a gente ainda está na divulgação, mas a minha vontade é não fazer, não bateu na veia para mim. Eu trabalho com a gravadora, com banda, faço capas de disco, animação.... Mas eu me identifiquei muito com o filme, tentei fazer, só que não tenho o mesmo prazer que sair para tocar. Agora a produção de trilhas sonoras é algo que me interessa muito hoje em dia, até mais do que tocar.