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    A História dos Blockbusters - Parte 6: Os universos cinematográficos e um império intergalático

    A casa de Mickey Mouse domina as bilheterias e dita o futuro da indústria cinematográfica.

    A COMÉDIA E A ESPIONAGEM

    Depois do êxito retumbante de Os Vingadores, a tendência do Universo compartilhado tornou-se um verdadeiro sonho de consumo para todas as majors de Hollywood. Como não desejar possuir também uma constelação de filmes cuja média de arrecadação é de quase US$ 750 milhões? Mesmo na era das bilheterias bilionárias, tal rendimento ainda impressiona e pode ser mais do que o suficiente para manter os cofres de qualquer estúdio bastante saudáveis durante um bom tempo. Mas o ponto é que fazer um Universo Cinematográfico não é uma tarefa leviana ou uma missão que possa descontar o benéfico auxílio da sorte. Anteriormente em A História dos Blockbusters, vimos que nunca foi particularmente difícil gerar uma trilogia de sucesso: bastava encontrar apelo comercial e diluí-lo em três longas; hoje, no entanto, é preciso possuir múltiplas franquias e sagas que funcionem como patamares de um todo muito, muito maior.

    Assim, tão repentinamente quanto surgiu, a própria ideia de Universo compartilhado não demorou a encontrar seus detratores - especialmente porque as próprias narrativas da Marvel tornaram-se formulaicas, constantemente girando em torno de tresloucados planos para destruição da galáxia ou de uma torrente massiva de frases de efeito e gags cômicas. A reciclagem de motivos narrativos por parte dos grandes estúdios, seja dentro ou fora do âmbito dos Universos Cinematográficos - sim, estamos falando com TransformersPiratas do Caribe e seus derivados pasteurizados -, criou uma certa resistência por parte do público em relação aos blockbusters ultracontemporâneos, peças de um tipo de cinema frequentemente definido pelos críticos mais ferrenhos como “cinema descartável”.

    Mas isso não impediu, por exemplo, que a Marvel expandisse seu domínio para as telinhas a partir da série Agents of S.H.I.E.L.D. ou que Homem de Ferro 3 atingisse US$ 1,2 bilhão nas bilheterias mundiais. Apesar da fadiga e do roteiro ter sido firmemente criticado por causa do desperdício do Mandarim (Ben Kingsley), o maior inimigo de Tony Stark, a nova aventura comprovou a força titânica da máquina da Marvel e de seu departamento de marketing, que frequentemente insere seus personagens em filmes publicitários de grandes marcas mundiais para incrementar a atenção sobre os vindouros projetos, fechando parcerias em um espectro que compreende tanto empresas de seguro quanto a Coca-Cola, uma das mais antigas parceiras comerciais do estúdio. Desse modo, até mesmo Thor: O Mundo Sombrio, o longa que quase impediu o hilário e extremamente bem-sucedido Thor: Ragnarok de tornar-se realidade, foi um estouro nas bilheterias: considerado por muitos como o ponto mais baixo do UCM, a obra terminou sua jornada de exibição com US$ 644 milhões arrecadados.

    Apesar de ser orientado pela visão de seu estrategista-chefe, o Universo Cinematográfico Marvel sofre quando perde sua visão criativa principal. Foi assim durante o curto hiato entre a saída de Jon Favreau e a chegada de Joss Whedon e nos momentos que antecederam o desligamento deste último, em 2015; por outro lado, 2014 apresentou três nomes que seriam o novo norte estético e narrativo do UCM nos tempos seguintes: os dos irmãos JoeAnthony Russo e o de James Gunn. Com Capitão América: O Soldado Invernal, os dois primeiros cineastas trouxeram inspirações do cinema de espionagem dos anos 1970 e elevaram as já impressionantes sequências de ação do UCM para novos patamares. Coestrelado por Scarlett Johansson, Sebastian Stan, o astro Robert Redford e um Chris Evans melhor do que nunca, O Soldado Invernal aprofundou as correntes dramáticas do Universo da Marvel, é ainda hoje um dos favoritos dos fãs por causa de sua narrativa intrincada e, de quebra, levou US$ 714 milhões das bilheterias para casa.

    O caso de Guardiões da Galáxia (US$ 773 milhões), por sua vez, é completamente distinto, verdadeiro ponto de inflexão: Gunn foi trazido para extrapolar a comédia do UCM em um dos projetos mais arriscados do estúdio. Quando anunciado, o longa suscitou toda a sorte de perguntas e questionamentos que basicamente geravam em torno das identidades dos personagens titulares. À exceção dos fãs mais fervorosos e antigos dos quadrinhos, o público em geral não tinha conhecimento algum sobre os Guardiões da Galáxia, um grupo de bandidos e mercenários que acaba fazendo o bem. Mas mesmo sem um Homem de Ferro ou um Capitao América para apresentar, a aventura intergalática de Gunn teve enorme sucesso. Além de certamente ter deixado um legado indelével no âmbito dos blockbusters - influenciando um espectro de produções que vai desde Esquadrão Suicida até Deadpool por causa de sua comédia ousada e seus insanos anti-heróis de moral duvidosa e questionável -, Guardiões da Galáxia extrapolou os limites da estratosfera, tirando a Marvel das imediações de Nova Iorque e levando o estúdio para o espaço sideral - ambiente este que é um dos campos de batalha de Guerra Infinita.

    Desse modo, o peso da transição acabou caindo sobre os ombros de Vingadores: Era de Ultron (US$ 1,4 bilhão) e de Homem-Formiga (US$ 519 milhões), ambos de 2015. Enquanto o segundo foi uma espécie de colcha de retalhos do projeto original - desenvolvido pelo cultuado Edgar Wright (Em Ritmo de Fuga) nos idos de 2006, cancelado por divergências criativas e que teria sido, segundo Feige, uma bússola estética para o surgimento do UCM -, Vingadores 2, apesar da bilheteria, surgiu como que datado dentro da continuidade temporal das produções do estúdio. Com a ampulheta prestes a virar para a era dos Russo e de Gunn, o estilo impresso por Whedon soou antiquado aos ouvidos de parte da crítica especializada. Por isso, nestes anos de mudança para a Marvel, talvez seja ainda mais interessante analisar o que a Fox, a Sony e, principalmente, a Warner tentaram fazer.

    DCEU

    A Fox certamente deixou boas impressões em 2013 e em 2014, já que seu novo Universo X-Men gozou de bons rendimentos. Ao passo em que Wolverine: Imortal (US$ 414 milhões) foi uma espécie de predecessor de Logan, um projeto de experimentações para a dupla formada pelo diretor James Mangold e o astro Hugh JackmanX-Men: Dias de um Futuro Esquecido (US$ 747 milhões, maior hit dos mutantes no estúdio até o lançamento de Deadpool) complicou a linha temporal com suas viagens do passado para o futuro simplesmente para que o fiasco de O Confronto Final pudesse ser efetiva e narrativamente esquecido, consolidando ainda mais o estrelato de Jennifer Lawrence e de seus coprotagonistas, James McAvoy e Michael Fassbender. Com planejamentos para séries de televisão, produções derivadas e projetos surpreendentes, especificamente aqueles para maiores de 18 anos, a Fox terminaria o ano de 2015 com a certeza que concretizaria o sonho de rivalizar com o UCM através de seu próprio Universo compartilhado.

    A mesma felicidade não bateu às portas da Sony, no entanto. Mesmo com a incrível bilheteria de O Espetacular Homem-Aranha, a obra de Marc Webb protagonizada por Andrew Garfield recebeu críticas pouco entusiasmadas, uma situação que se agravou terminantemente na sequência. Execrado pela imprensa, o tétrico O Espetacular Homem-Aranha 2 - A Ameaça de Eletro (US$ 709 milhões) enterrou sua própria trilogia e colocou seu estúdio em uma sinuca de bico: após fracassos que praticamente mancharam a imagem do Cabeça de Teia nas telonas, o que fazer com uma das propriedades mais cobiçadas da cultura pop? Restou ao estúdio capitular: em um acordo histórico realizado entre os produtores Amy Pascal e Kevin Feige, o Homem-Aranha, ainda de posse da Sony até hoje, foi licenciado para utilização da Marvel em seu Universo Cinematográfico.

    Com Nolan deixando o cinema de super-heróis para se dedicar ao seu 2001 pessoal, o visualmente impressionante Interestelar, a Warner decidiu apostar suas fichas em Zack Snyder (Watchmen) para comandar a investida contra o Universo Cinematográfico Marvel - ignorando, evidentemente, o pífio Lanterna Verde (US$ 219 milhões arrecadados vs um orçamento de US$ 200 milhões). Através do lançamento de O Homem de Aço (US$ 668 milhões), nascia o Universo Estendido da DC. Timidamente aprovado pela crítica, o longa estrelado por Henry Cavill já trazia escancarados os problemas que atormentariam todos os filmes seguintes do UEDC, à exceção de Mulher-Maravilha. Sequências de ação confusas; um vilão mais raso do que uma piscina infantil; enorme dependência de efeitos especiais computadorizados; melodrama carregado; e uma tonalidade sombria e pesada que requeria um cineasta do calibre de Nolan - ele escreveu o argumento - para fundamentá-la de maneira plausível: estes são apenas alguns dos pontos negativos pelos quais O Homem de Aço ficou marcado.

    Mesmo assim, a Warner decidiu seguir o plano que traçou, confiando que Snyder, eventualmente, atingiria o estágio de cineastas-produtores de sucesso do cinema de super-heróis anteriormente alcançado por Favreau e Whedon na Marvel. No entanto, o que ocorreria a seguir não sairia nada como a encomenda - tanto para o bem da concorrência quanto para o mal da DC.

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