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    Festival de Berlim 2018: O que significa a vitória do drama romeno Touch Me Not?

    Uma "terceira via" para o cinema dos festivais.

    "Você acha que o público vai ficar muito surpreso hoje?", perguntou a apresentadora ao presidente do júri, Tom Tykwer, durante a entrega dos prêmios do 68º Festival de Berlim. De fato, nos bastidores, a escolha do Urso de Ouro para o drama romeno Touch Me Not, de Adina Pintilie, deve ter gerado um choque considerável.

    Quando o prêmio foi anunciado à plateia, a surpresa se confirmou. Dentro da sala de imprensa, onde muitos jornalistas acompanhavam a premiação, os ruídos de surpresa e os risos ecoaram por todos os lados. Touch Me Not não constava entre os favoritos, e ganhou repercussão por registrar a maior debandada durante as sessões da Berlinale. Na primeira exibição para os críticos, quando estávamos presentes, cerca de um terço das pessoas se levantou e foi embora.

    Mas seria irresponsável dizer que o filme foi unanimemente rejeitado. Os respeitados veículos Variety e The Hollywood Reporter publicaram artigos muito elogiosos à decisão de Pintilie em abordar os problemas de intimidade, retratando de modo democrático todos os corpos - bonitos e feios, saudáveis ou não, incluindo corpos de pessoas com deficiência física. Talvez os elogios tenham se dirigido mais ao tema do que à forma. Mesmo assim, constituem defesas da obra.

    Touch Me Not é um falso documentário em tom de reportagem. Explica-se: atores interpretam pessoas comuns, dando depoimentos à câmera sobre suas dificuldades em experimentar o toque, em manter relações sexuais. Alguns atores preservam seus nomes reais, enquanto outros assumem figuras mais fictícias, a exemplo do franco-islandês Tomas Lemarquis (de Blade Runner 2049 e X-Men: Apocalipse) que interpreta Tudor, participante de terapias alternativas para o contato consigo mesmo. O filme se baseia na busca pelo autoconhecimento, numa vocação intimista e patologizante.

    Entre os 19 filmes que concorriam ao Urso de Ouro, duas tendências eram claras: havia os "filmes de arte clássicos", dramas com propostas bem elaboradas, mas uma estrutura linear e convencional (Las Herederas, In the Aisles, Museo, Daughter of Mine, Mug, The Prayer, 3 Days in Quiberon), e também os filmes com narrativas radicais e formatos ousados, de vertente política evidente (U - July 22, My Brother's Name is Robert and He is an Idiot, The Real Estate, Season of the Devil, Dovlatov).

    O único representante que fugia a essas duas correntes era Touch Me Not. Nem linear, nem exatamente experimental; nem politizado no estrito do termo, nem de narrativa convencional, ele constitui um ponto fora da curva. Em meio a um festival tão afeito a questões sociais, este filme se fecha sobre o indivíduo e suas batalhas internas. O mundo fora do consultório/sala de entrevistas não existe.

    Pode-se dizer que a política se encontra na representação igualitária dos corpos, que inclui o sexo sem julgamentos e a valorização do corpo transexual, dois fatores realmente louváveis. O urso de Ouro a este projeto também reforça o cinema dirigido por mulheres pelo segundo ano consecutivo - após a vitória de Corpo e Alma em 2017. São aspectos favoráveis, a levar em consideração. 

    No entanto, a escolha de Touch Me Not representa tanto uma defesa deste cinema pós-moderno e terapêutico quanto uma recusa das outras formas de cinema. Dispondo de uma série de dramas narrativos e experiências ousadas, o júri deliberadamente escolheu não premiar nenhum desses dois. O mesmo raciocínio foi visto em outros prêmios, como o troféu de melhor roteiro a Museo, talvez o exemplar mais comercial da mostra competitiva, e o prêmio de contribuição artística à direção de arte de Dovlatov, filme radical em diversos aspectos, menos na direção de arte.

    Este ano, a Berlinale recusou as principais vertentes do cinema "de arte" para buscar "novas formas de fazer cinema", como afirmou o júri em sua explicação. Uma forma intimista, televisiva, dolorosa, na qual o humanismo se confunde com autopiedade. Mas, de fato, uma forma distinta daquela encontrada nas seleções dos grandes festivais de cinema.

    Nossas críticas do 68º Festival de Berlim:

    3 Days in Quiberon

    7 Dias em Entebbe

    Aeroporto Central

    Ága

    Bixa Travesty

    Black 47

    Cobain

    Cross My HeartDamsel

    Daughter of Mine

    Dovlatov

    Eldorado

    Eva

    Ex-Pajé

    Generation Wealth

    In the Aisles

    Isle of Dogs

    Las Herederas

    A LivrariaMug

    Museo

    My Brother's Name is Robert and He is an Idiot 

    PigO Processo

    Obscuro BarrocoRiver's Edge

    Season of the Devil

    Songwriter

    Tinta Bruta

    The Happy Prince

    The Prayer

    The Real Estate

    The Silence of Others

    Touch Me Not

    Transit

    U - July 22

    Unicórnio

    Unsane

    Yardie

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