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    Festival de Brasília 2017: Diretora Júlia Murat fala sobre Pendular e busca pelo afeto (Entrevista exclusiva)

    Destaque do festival, Pendular chega hoje aos cinemas brasileiros.

    Junior Aragão

    Premiado no último Festival de Berlim, Pendular chega aos cinemas de todo país poucos dias após ser exibido para o público do Cine Brasília, no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

    Dirigido por Júlia Murat (Histórias que Só Existem Quando Lembradas), o longa segue um casal de artistas que dividem um galpão abandonado para desenvolverem suas artes. Ela, uma dançarina. Ele, um artista plástico. Enquando imaginam e criam seus projetos, eles, de certa forma, também trabalham seus momentos de afeto e intimidade.

    AdoroCinema conversou com a diretora sobre o longa e sobre como falar de afeto em um momento difícil da sociedade brasileira. Confira!

    Então, Julia, para começar, você pode falar um pouco sobre como esse projeto nasceu para você?

    O Pendular nasce em 2011. Eu estava terminando Histórias, que é o meu primeiro filme. Começa esse processo de festivais: “qual seu próximo filme?”. É uma pressão muito natural, que é uma pressão difícil de lidar para o segundo filme. E aí eu começo a pensar que filme é esse que eu quero fazer. Aí tem a performance do Marina Abramovic e do Ulay, Rest Energy, que é uma performance que acaba me influenciando muito. Então, eu resolvo falar sobre o equilíbrio na relação amorosa. Eu estava começando a namorar o Matias Mariani, que é o roteirista do filme, e estava pensando muito sobre amor, naturalmente. Isso vai entrando e eu resolvo falar sobre a relação amorosa e chamo o Mat para fazer isso comigo. E aí a gente decide que é uma dançarina e um escritor. 

    Eu tinha lido justamente que a performance da Marina Abramovic tinha, de certa forma, te influenciado. Como é que foi isso? O que você acha que tem na obra dela que você queria contar?

    É uma influência extremamente conceitual. Essa performance é uma performance onde estão os dois, um na frente do outro, segurando um arco e flecha, e a fecha está apontada para o coração dela. E eles ficam em equilíbrio, com ela caindo mais para baixo porque ela é mais leve, então o corpo dela tem que pender mais para o chão para conseguir esse equilíbrio, e eles ficam em equilíbrio, e se eles perdem esse equilíbrio, vai ser mortal para ela. Então, daí que parte o filme: essa ideia de que se uma relação não encontra esse equilíbrio, qualquer momentinho pode ferir mortalmente. A gente partiu disso e de que essa divisão não é equânime - que também está na obra da Marina -, que essa divisão não está 50%, você tem que encontrar um caminho entre os corpos.

    Uma coisa que eu acho interessante no seu filme é uma visão do artista talvez um pouco diferente do que a gente costuma ver, que não é a arte como produto de uma inspiração divina. Você tem até a questão do crítico presente na sua obra, e tem a questão da arte como um trabalho, como um ofício profissional em que você busca trabalhar aquilo. Como foi desenvolver isso para você como artista também?

    Eu e Matias chegamos à conclusão de que a maioria dos filmes que a gente via a gente não reconhecia o processo criativo de um artista nesses filmes.

    E o processo criativo nunca é divino.  Ele é realmente um trabalho árduo e duro – para alguns mais do que para outros –, mas realmente a obra é fruto de um processo de pensamento, de estudo e de pesquisa muito grande. Então, a gente queria construir justamente essa ideia do cotidiano do artista como sendo algo árduo, um trabalho que demanda tempo de pensamento e de pesquisa.

    Ao mesmo tempo em que tem a criação artística, até porque está em um ambiente único e com um casal, há também a questão da vida privada, e o sexo é um elemento importante também na história. Como é que foi isso para você?

    Era justamente isso: essa ideia de que as relações se interferem. O processo criativo interfere na relação. Então, a ideia de fazer um ateliê-casa era, por um lado, para criar claustrofobia da relação, e, por outro, para criar essa ideia de que é muito visível que o processo criativo está influenciando a relação e a relação está influenciando o processo criativo de ambos os personagens. Então, a gente queria fazer essas passagens o tempo todo. E aí o sexo da vida privada entra por um lado para influenciar o processo criativo e ser influenciado por ele. Agora, ao mesmo tempo, o sexo está ali como um reflexo da relação. A relação vai se modificando e o sexo vai se modificando junto com a relação.

    O filme recebeu a classificação etária de 18 anos, o que me parece algo exagerado. Como você vê esse momento hoje da sociedade em que o brasileiro parece ter um pouco de problema de lidar com o sexo?

    Eu acho que o brasileiro, na sua média, é conservador. A população brasileira, na sua média, é conservadora. Mas, tradicionalmente, a faixa etária não era essa. Ela está sendo agora por um reflexo do que está acontecendo politicamente no país. Eu acho que é assustador quando o evangelismo entra na política. É muito grave isso, e é muito grave que um terço dos congressistas sejam evangélicos – não em sua vida pessoal, isso tudo bem, obviamente, mas quando eles resolvem evangelizar a própria política e fazer lei em nome do evangélico –, então eu acho que os 18 anos é reflexo do que está acontecendo no Brasil, que é gravíssimo. 

    Como é apresentar uma obra de afeto justamente nesse momento em que o conservadorismo cresce?

    É estranho. Soa não próprio, porque de alguma maneira a gente precisa estar gritando nesse momento. A gente precisa estar fazendo política mais evidente, então estar falando de afeto soa meio desconectado com o tempo. Mas, ao mesmo tempo, o afeto é absolutamente necessário inclusive para criar essa amálgama de novo da sociedade. A gente precisa do afeto para reconstruir a sociedade. E, justamente, a gente só vai conseguir segurar esse evangelismo com afeto. Então, por um lado, não deixa de ser político trazer o afeto nesse momento para dentro da cena.

    O seu filme foi premiado em Berlim. Em Berlim também a gente teve o Vazante, o Joaquim, a gente teve um filme em Cannes, em Veneza. A gente vive um momento particular bom do cinema nacional, mas, ao mesmo tempo, a gente vê um obscurantismo. No futuro, a gente não sabe qual vai ser a condição da lei do audiovisual. Como você vê hoje em dia o debate sobre incentivo no cinema?

    O cinema demora para acontecer, então ele demora para sentir a crise. A gente, de fato, vai sentir a crise no ano que vem, porque existe pelo menos dois ou três anos de maturação dos filmes. Especificamente no cinema, é muito triste porque é um momento em que a gente estava no ápice. Foram 12 filmes em Berlim, 15 em Roterdã, Cannes, enfim. A gente estava realmente em um momento da cinematografia porque tinha tido uma política pública investindo, a gente estava com a cinematografia em ápice. E aí, de repente, fica muito evidente que isso vai deixar de acontecer agora. Isso por um lado me preocupa muito, mas, por outro lado, isso que vem acontecendo é tão grave que não dá para a gente também ficar na nossa bolha audiovisual e ficar reclamando da lei do audiovisual diante das leis trabalhistas estarem sendo quebradas, entende? Então, a gente, como cineastas, tem que pensar um pouco o quanto a gente tem que lutar pelo cinema, porque a gente acredita que o cinema é uma potência de pensar o mundo e a sociedade, e o quanto a gente tem que falar da sociedade um pouco. Eu acho que a gente tem que pensar um pouco com calma o quanto a gente vai lutar aí pela lei do audiovisual, pelo FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), no momento que a gente está vivendo que é tão grave.

    Você falou que já estava começando a pensar Pendular na época do Histórias. Agora, você já tem alguma coisa em trabalho?

    Tenho um argumento ainda, não é um roteiro, mas é um argumento que se chama no momento Regra 34 e é sobre uma menina que tem muito tesão sexual e não sabe muito como lidar com isso, e aí resolve entrar na pornografia para lidar com o próprio tesão dela. Ao longo do processo do filme ela descobre que a pornografia não a satisfaz mais, e que justamente o que ela precisa é se colocar no mundo em risco. E ela acaba se colocando em um lugar que ela provavelmente será agredida sexualmente. Então, é um filme que está querendo pensar o limite do tesão e do risco.

    Para terminar, eu queria que você falasse um pouco sobre essa exposição de Pendular que vai ter no Museu de Arte Moderna do Rio.

    A gente batalhou muito para que isso acontecesse e foi muito bom, porque o filme vai se completar lá no MAM. A gente criou performances ao longo do processo do filme, criou muitas esculturas, então eu acho que ali no MAM a gente vai conseguir ter as esculturas nas suas potências, as performances nas suas potências e o filme na sala de cinema. Então, tudo isso vai estar acontecendo junto.

    O AdoroCinema viajou a convite da organização do evento.

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