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    Festival Guarnicê 2017: Quarta noite da mostra competitiva trata dos cuidados com os outros e lar como onde o coração está

    Uma sessão sentimental.

    Com público inicial menor do que o das noites anteriores, o sexto dia do 40ª Festival Guarnicê registrou seu primeiro contratempo na mostra competitiva. Digitaria Ex Machina, que seria a abertura da sessão, mal começou e deu problema, levando à reorganização do cronograma. O programa começou então com o caseiro Os Cuidados que se Tem com o Cuidado que os Outros devem ter Consigo Mesmos e na sequência foi apresentada a animação Quando os Dias Eram Eternos, que encanta imediatamente pela poesia e a técnica utilizada. Digitaria enfim funcionou, questão resolvida – as marcas de dobras no pano que serve como tela de projeção do Teatro Alcione Nazaré, no entanto, continuam incomodando e atrapalhando principalmente obras de fotografia mais clara –, e o média Topofilia, feito sem apoio de leis de incentivo, por seis mulheres, finalizou a quarta-feira.

    Quando os Dias Eram Eternos, de Marcus Vinícius Vasconcelos – Já está ficando repetitivo chamar o curta animado de destaque, mas a curadoria realmente foi muito feliz na escolha das obras do tipo nesta edição do Guarnicê. Inspirado no espetáculo My Mother, do aclamado coreógrafo japonês Kazuo Ohno, o filme usa a rotoscopia para mostrar um filho cuidando da mãe com câncer. O que ela fez por ele criança, ele agora retribui, num retrato lindo, tocante e sensível da reversão de papéis, do passar do tempo e de como encarar o fim da vida. Belíssimo e com trilha primorosa de Dudu Tsuda.

    Digitaria Ex Machina, de Gabraz – Ponto fora da curva da competitiva de curtas até o momento, o filme acompanha o trabalho de Dani Albinati e Dani Caldellas, que formam o duo Digitaria, sem comentário ou apresentação dos personagens, que em momento algum falam. Eles tocam, se preparam, esperam carona, dormem, comem, aparentam tédio enquanto trabalham, se empolgam, viajam, são vistos como espectros pelo público. Pronto, foi mostrada um pouco da rotina dos dois. Fotografado em preto & branco, o curta honestamente é um grande clipe da dupla eletrônica, uma amostra do que fazem, um material de divulgação mais artístico e elaborado do que o usual, contemplando seis músicas autorais e uma de Yoko Ono. Não faz sentido dentro da competição.

    Os Cuidados que se Tem com o Cuidado que os Outros Devem Ter Consigo Mesmos, de Gustavo Vinagre – Um quarteto de amigos vive junto, se dá bem, se rega, se sufoca, se cuida. A naturalidade ausente na turma de O Olho do Cão, aqui transborda nos diálogos mais simples sobre as mais diversas pautas, do atualíssimo golpe ao antiquíssimo parar de fumar. Muito honesto, seja na luz estourando ou em Kelly (Julia Katharine) olhando para os espectadores, Os Cuidados tem seu clímax (que não chega a sensibilizar o público) num longo plano embalado pela maravilhosa Cida Moreira cantando o hino "Feito um Picolé no Sol", composição de Nico Nicolaiewsky. Momentos de carinho com Tan, Nêgo, Kelly e Laila que poderiam se estender por horas.

    Topofilia, de Amanda Pontes e Michelline Helena – Quatro mulheres egressas de Fortaleza filmam uma espécie de diário comentando suas vidas longe da cidade em que nasceram. O estilo de gravação é livre e os temas discutidos circulam em torno da ideia de pertencimento, identidade e distância das origens e dos familiares. É interessante ir conhecendo aos poucos a rotina e motivação de cada uma, mas as diretoras deveriam ter tido um cuidado maior na introdução, ao invés da opção pelo simples encadeamento dos vídeos sem legendas, cartelas, indicativos de lugar, nomes ou qualquer outra coisa que não as imagens impregnadas de alguma personalidade produzidas pelas protagonistas. Uma diz que está em Porto Alegre (e mostra até a rua em que mora) e outra avisa que está em São Paulo, mas as outras duas não definem suas posições geográficas e essa espécie de enigma desnecessário acaba criando uma dificuldade de identificação que atrapalha bastante. Qual o sentido de, numa obra sobre deslocamento, você não saber de onde aquela pessoa está falando? A discussão feminista, com a crítica à ideia de homem aventureiro e mulher ancorada, infelizmente não tem a participação de todas e a sensação que fica é que poderia haver mais unidade, com outras pautas comum a todas além da questão da distância de “casa” - que acaba se tornando redundante ao longo dos 37 minutos. Facilmente poderia ser um curta e teria mais êxito como tal.

    O AdoroCinema viajou a convite do Festival Guarnicê.

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