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    Festival Guarnicê 2017: Semana começa com palhaçaria e a arte da manipulação

    Quatro filmes foram exibidos no segundo dia da mostra competitiva.

    Orgulhosamente completando 40 anos, o Festival Guarnicê, quarto mais antigo do Brasil, começou no último dia 2, com a exibição de Deserto, e segue até o dia 10 de junho, quando serão anunciados os vencedores da competição oficial. Apresentada em diferentes formas, a violência foi a tônica noite de segunda-feira, quando foram projetados quatro postulantes aos prêmios: Balada Para os Mortos, O Quebra Cabeça de Tarik, Confidente e Ridículos – representante da Bahia na competitiva de longas, que, pela primeira vez, contempla exclusivamente produções do Norte e Nordeste.

    Lauro Vasconcelos

    Balada Para os Mortos, de Lucas Sá – Com uma dezena de curtas no currículo, o realizador maranhense comentou no palco do Teatro Alcione Nazareth, sede da mostra principal, que essa era sua estreia no festival. Curiosamente, de local a obra não tem nada. O cenário é Pelotas, cidade gaúcha aterrorizada pela violência urbana. O início se dá em tom documental bastante amador (ao ponto de legendas serem usadas para a compreensão dos diálogos e enquadramentos ficarem totalmente esquecidos pelo acentuado chacoalhar da câmera) sobre evidências de um sangrento crime encontradas em uma praça, o que logo evolui, um tanto quanto sem justificativa, para comentários cadavéricos isolados. Prejudicado pela técnica deficiente e pelo apego do diretor a sequências cheias de estilo e parcas em relevância narrativa que se estendem muito além do necessário, Balada tem um conceito relativamente bom perdido pela precariedade da execução. Resta o gosto de pegadinha da internet.

    O Quebra Cabeça de Tarik, de Maria Leite – O curta mineiro é uma caprichada animação em stop motion feita com bonecos de madeira. O tema é um dos mais caros ao homem: a imortalidade. Para se refazer jovem, viril e perfeito, o caquético Tarik coleta membros e realiza cruéis mutilações, mas não contava com a astúcia de uma mulher ferida... Gerador de efeito catártico semelhante ao proporcionado pelo fim de Aquarius, ganhou a maior quantidade de aplausos da noite.

    Lauro Vasconcelos

    Confidente, de Karen Akerman e Miguel Seabra Lopes – Jogo de montagem com imagens de arquivo e vozes do cartunista André Dahmer, o curta coloca o público numa roda gigante de sentimentos provocados pela repetição à exaustão da afirmação "Este sou eu" acompanhada de uma violenta batida de porta. Começa como "tática da confusão", passa por sincera crise de identidade, vira comédia improvável, drama triste e perde qualquer sentido. A repetição em variadas velocidades transforma o vídeo em música, o discurso em nada, a afirmação do "ser" em refrão. Vale pela experiência, um flerte com a insanidade não recomendado para epiléticos.

    Ridículos, de Paula Lice, Rodrigo Luna e Ronei Jorge – O intervalo após os curtas esvaziou bastante a sala de exibição. Uma pena, pois o ofício do palhaço é em sua essência uma via de mão dupla, que necessita da presença do outro. O filme, no entanto, deixa de lado as gracinhas circenses para desnudar (literalmente) os artistas do riso gerado na dor e o próprio processo de registro dos 76 minutos - que parecem bem mais. Confinados numa casa de campo, quatro palhaços experientes orientam a iniciação de um homem (Luna, um dos diretores). Atacam suas características físicas, ofendem, não acreditam no seu êxito. Se tornar palhaço é descascar como uma cebola e isso inclui "atravessar" um mar de lágrimas (de sofrimento e de suor) até atingir a camada mais pura, aquele estado ideal que conjuga coragem de criança, consciência corporal de adulto e confiança inabalável. Infelizmente a captação de som problemática impede o entendimento de algumas falas e o público se deixou contagiar apenas numa sequência em que todos interagem caracterizados, vencido pelo cansaço numa quase interminável guerra de comida (incrível como esse tipo de cena funciona). O humor é meramente resultado de um enorme esforço e investimento emocional e físico, por muitos ignorado, que o filme tenta captar e transmitir. As performances como palhaços dos quatro protagonistas - inseridas de forma eficaz como intervalos ao longo do intenso treinamento - têm em comum a frustração, sensação que irremediavelmente tomará aqueles que buscarem no longa gargalhadas fáceis.

    O AdoroCinema viajou a convite do Festival Guarnicê.

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