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    É Apenas o Fim do Mundo: "No cinema, você pode liberar todos os sentimentos ruins", revela Vincent Cassel (Exclusivo)

    Uma das estrelas do novo filme do canadense Xavier Dolan, o astro francês retorna aos cinemas brasileiros nesta quinta, 24, ao lado de grande elenco.

    Luca V. Teuchmann

    Vincent Cassel é um verdadeiro ator global. Uma das maiores estrelas de seu país natal, a França, o intérprete parisiense também já participou de inúmeras produções nos Estados Unidos e em outros países como a Itália e o Brasil. Reconhecido por interpretar personagens intensos, a versatilidade e os talentos de Cassel foram essenciais para que o ator pudesse fazer parte do elenco estelar de É Apenas o Fim do Mundo, novo filme do "príncipe" de Cannes, Xavier Dolan.

    Em entrevista exclusiva ao AdoroCinema durante o Festival de Cannes, Vincent Cassel teve a oportunidade de comentar sobre a sua abordagem como ator e a intensidade de seus personagens, sobre o estilo singular de Dolan e sobre seu personagem Antoine, membro da histriônica família disfuncional no centro do longa que dividiu a crítica na Croisette. Você pode conferir nossa crítica aqui!

    VERSATILIDADE

    Divulgação

    Ainda que o próprio Cassel admita que trabalhar com sua língua materna torne a atuação mais confortável e menos complicada, o ator é um verdadeiro poliglota: além de ser fluente em inglês, ele também fala português, arrisca algumas palavras em italiano e está aprendendo espanhol - tudo por causa das produções nas quais trabalhou ao redor do mundo. Ao ser questionado sobre como é o processo de atuar em outros idiomas, Cassel revela qual foi o seu maior desafio: atuar em russo em A Isca Perfeita - e ele ainda não entende muito bem como conseguiu cumprir essa missão:

    "Eu ainda não entendo porque eles me escolheram para o papel. E ainda não entendo como consegui atuar em russo. Logo no início, me aproximei do diretor e disse: 'se isso não funcionar, vou apenas murmurar e depois vocês me dublam'. Mas, lentamente, peguei o jeito. No final do dia, tínhamos conseguido filmar três páginas de diálogo em russo."

    INTENSIDADE E PROCESSO DE ATUAÇÃO

    Após apresentar o intenso Meu Rei na competição oficial do Festival de Cannes 2015, Cassel regressou ao tapete vermelho da Croisette para apresentar mais um personagem difícil: o primogênito Antoine, homem ressentido pelo fato de que seu irmão mais novo, Louis-Jean, que retorna ao lar após 12 anos distante, sempre foi o favorito da mãe. "Confortável em filmes com bons roteiros", o francês revela por que gosta da intensidade dos personagens que interpreta:

    "Na vida real, somos animais sociais. No geral, fomos criados para sermos gentis com as pessoas que encontramos todos os dias. É isso que faz a sociedade funcionar. Mas, mesmo assim, como eu disse, nós somos animais sociais e, na maior parte do tempo, não deixamos esse animal aparecer, somos treinados para não deixá-lo aparecer, aprendemos a nos comportar. Por baixo disso tudo, nós ainda sentimos inveja, ciúme e raiva. Outra coisa boa sobre fazer cinema é que você pode liberar todos esses sentimentos."

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    Apesar de ser um personagem complexo e raivoso, quase difícil de assistir, criar e se identificar com Antoine foi um processo divertido (e necessário) para o ator:

    "Como ator, eu acho que você precisa ser capaz de interpretar baseado em quem você é, no que você sabe e no que você não sabe fazer e também nas coisas que você não quer se tornar e nas coisas que você deseja se tornar. É uma forma de se relacionar com a sua abordagem. O ator é o filtro [...] Foi muito divertido interpretá-lo. Ele é uma extrapolação de alguns sentimentos que todos temos às vezes. É muito difícil falar as coisas que temos em mente, é muito difícil ter que lidar com a sua família, é muito difícil se sentir abandonado, é muito difícil dizer para as pessoas que você as ama. Esse tipo de sentimentos. Eu entendo como o meu personagem funciona, apesar de ele ter problemas muito mais profundos que os meus. Então, você sempre precisa se relacionar com o personagem para interpretá-lo. Não há nada de traumático nisso. Na verdade, o processo é sobre se divertir com o que você compreende do personagem."

    "Eu diria que vejo o set como uma festa. Estar em um set é sobre se divertir, brincar e não se levar a sério. Para mim, é assim que você se revela, através de jogos. Como nos jogos de crianças ou em uma improvisação de rap: você diz coisas que você não quer dizer. E é aí que as pessoas se revelam. Esse é o processo de atuação [...] Você precisa mergulhar no personagem."

    O ESTILO DE XAVIER DOLAN

    Com apenas 27 anos de idade, o jovem Xavier Dolan já é um veterano do Festival de Cannes (por mais que ele não aceite tal posto). É Apenas o Fim do Mundo, seu sexto filme, é a quinta obra que o canadense apresenta no sul da França e a segunda que rendeu o troféu do Grande Prêmio do Júri ao cineasta. Para Cassel, o estilo de Dolan é inconfundível e se manifesta de diversas maneiras, desde a pré-produção até no resultado final da obra:

    "Xavier tem muito estilo. Estilo é a única coisa que você não pode comprar ou aprender. [...] Na maneira como ele move a câmera, como ele narra, como ele consegue arrancar as emoções dos atores. Não há uma lógica. As coisas simplesmente vão acontecendo e aí tudo simplesmente faz sentido. [...] Há um estilo no set, um estilo de filmagem... O estilo do filme é como ele flui, como ele te conquista, como ele te engana. E isso só pode ser percebido ao assistir ao filme porque é o resultado da pós-produção do material, a combinação da montagem, da iluminação com a qualidade da imagem. É a última peça do quebra-cabeças."

    O francês ainda apontou que a persona excêntrica de Dolan, sempre em sua velocidade máxima de trabalho, é uma "questão de sobrevivência":

    "Não é uma escolha. Ele é quem é porque não existe outra saída para ele. No set, Xavier comanda, é o rei. Na vida real, ele é muito discreto, fuma alguns cigarros. No set, ele se torna uma figura enorme. Eu não diria que é uma escolha dele, é algo que ele precisa fazer [...] Seria mais certo dizer que ele é um príncipe. Para mim, ele é um espírito muito antigo que vive no corpo do "Pequeno Príncipe". [...] Ainda sobre o estilo dele: é algo que não pode ser compreendido. É uma coisa muito particular dele."

    A DIREÇÃO DE XAVIER DOLAN

    Luca V. Teuchmann

    Os diálogos do filme - que é baseado na peça homônima de Jean-Luc Lagarce - são repletos de pausas, gritos e repetições que tornam a comunicação entre os personagens completamente ruidosa. Apesar de parecerem ter sido improvisadas, as interações entre os atores estavam presentes no roteiro:

    "Sinto que nunca aprendi as minhas falas por completo. O filme é baseado em uma peça, então é algo sempre muito falado, mas eu não gosto de aprender diálogos, não gosto de trabalhar. Gosto quando as coisas trabalham por mim, em mim. [...] No fim, Xavier me disse para dizer as falas do modo que fosse mais confortável. Ele me disse para colocar o meu próprio sotaque se não gostasse de uma fala do jeito que foi escrita, por exemplo. Foi isso que fiz e o meu sentimento é que nunca aprendi minhas falas de verdade. Mas quando eu vi o filme ontem à noite, percebi que apesar de ter atuado em um ritmo confortável para mim, o ritmo do filme é o ritmo da peça. Eu disse as falas do jeito certo sem nem perceber."

    Ainda, o francês revelou que o fato de Dolan falar em meio aos takes, por exemplo, é um indício de sua juventude:

    "Maïwenn tem o mesmo costume. Talvez seja algo geracional, eu não sei. [...] O modo como ele trabalha é muito orgânico, e acho que é porque ele é jovem. Ele fez o trabalho parecer ser mais fácil. O modo como ele coloca a paixão dele pelo cinema facilita tudo. Você só tem que ser autêntico, ser honesto consigo mesmo, fazer as perguntas certas e trabalhar."

    FAMÍLIAS DISFUNCIONAIS

    Por fim, Cassel compartilhou algumas ideias sobre as relações familiares - e como ele conseguiu se identificar com a histérica e complicada família formada por Gaspard Ulliel, Léa Seydoux, Marion Cotillard e Nathalie Baye:

    "Eu com certeza me identifiquei com essa família. O problema com as famílias é que você não escolhe seus familiares, então você é obrigado a lidar com eles, é obrigado a lidar com a morte deles. Esse processo é interessante porque é uma obrigação, você tem que fazer funcionar de alguma forma. Do contrário, você pagará por isso. Você precisa se entender com seus pais, mesmo que às vezes seja impossível, por exemplo. Oscar Wilde costumava dizer que você ama seus pais, começa a odiá-los e, eventualmente, os perdoa. Mesmo se os seus pais não abusarem de você na infância, quando você cresce, você precisa matar esses pais. Outra coisa que eu notei é que assim que os pais morrem e você para de lutar contra eles, você começa a se parecer com eles ainda mais. Ou algo assim. Meu pai sempre me dizia que quando eu me apaixonasse, eu deveria olhar para a mãe da moça porque um dia ela ficaria igual à mãe. E, de uma forma muito perversa, é verdade! Você pode até não acreditar que será assim, mas uma hora isso acaba acontecendo. E eu não vejo isso só na minha esposa; eu vejo meu pai em mim mesmo o tempo inteiro. No jeito como eu ando, por exemplo. Essa é a chave para a imortalidade, na verdade. É o que é."

     

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