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    Cine Ceará 2016: Humor ridículo de Clever marca o tom ameno do último dia de festival

    Mostra de curtas-metragens termina com quatro filmes joviais e experimentais.

    As manifestações políticas da abertura do Cine Ceará 2016 foram como um prenúncio do tom severo dos filmes dessa 26ª edição do festival. Assim, coube aos organizadores reservar um clima mais ameno para o último dia. Apesar da exibição de quatro curtas-metragens grandes e arrojados de forma consecutiva, os temas foram, inequivocamente, mais brandos.

    Antes da ótima banda Os Alfazemas fechar o festival cearense com chave de ouro, interpretando clássicos da música nordestina com uma pegada moderna — para delírio do diretor Halder Gomes (Cine Holliúdy) —, a mostra competitiva ibero-americana terminou com um filme uruguaio ridículo, ótimo, que atendeu à expectativa geral por ser a única comédia em competição no Cine Ceará 2016.

    A comédia que falta no mundo

    A reprodução de clichês é algo natural no cinema, mas a falta de criatividade que permeia alguns gêneros é algo que incomoda. A comédia é uma vítima disso, reproduzida mundialmente com assustadora uniformidade em cada país (e com boa parte deles copiando Hollywood). Nesse cenário, Clever representa um tremendo sopro de frescor, sendo um filme extremamente divertido, até idiota, sem deixar de explorar as sutilezas do cinema e a força de sua imagem.

    O principal elemento de comédia em Clever é a infantilização das figuras masculinas. O personagem-título (Hugo Piccinini) é um homem casado, pai de um filho, que, após a separação, regride aos anos de juventude — inconscientemente. Tuna o carro, entra na academia, frequenta boates, usa drogas — inconsequentemente. Qualquer semelhança com a realidade (uruguaia, brasileira, talvez mundial) não é mera coincidência, assim como o fato de homens assim se rodearem de pessoas iguais a si.

    O modo como Federico Borgia e Guillermo Madeiro constroem isso é sensacional. Com um minimalismo cínico, capaz de construir planos de silêncio expressivos, os diretores e roteiristas vão acompanhando o cotidiano do protagonista com travellings que revelam aos poucos seus atos banais, closes que acentuam a estranheza de seu visual, sempre realçando o seu ser derrotado.

    Clever (que em inglês significa "inteligente") é tudo que esse protagonista não é. Tampouco maduro, e Borgia e Madeiro incorporam tais características na estrutura do longa. Isso acontece quando a comédia se torna um road movie totalmente subversivo, onde o personagem, em vez de partir numa jornada de descobertas e amadurecimento, pegará a estrada apenas para customizar seu carro (de um azul vivo careta quando casado, num vermelho "radical" depois de solteiro) com detalhes de fogo e uma imagem de seu ídolo: Bruce Lee.

    Tal idolatria, aliás, denota outro aspecto muito engraçado no filme: à medida em que passa a cultuar o corpo na academia, Clever se aproxima cada vez mais de homens. Quanto mais machão ele almeja ser, maior o teor homoerótico de suas ações. E ele só se dará conta disso no outro, quando se deparar com um delicado fisiculturista que mora com a mãe, pinta quadros e toca piano. Soa como se Borgia e Madeiro perguntassem a Clever (sem qualquer preconceito) se é aquilo que ele deseja ser, mas ele (nada "clever") não entendesse a pergunta.

    No maior estilo Napoleon Dynamite, uma cena de Clever, em plano fechado, musicada por uma trilha sonora bem temática, cômica, revela um homem com uma peruca chanel, feia, olhar idiota, cavanhaque aparado, saindo de um bar com porta de fitas coloridas e chupando picolé — de vinho. Nada se diz, nada se precisa dizer. Por todo o contexto narrativo e pela construção da imagem, se extrai o riso. É certo! E poucos filmes têm o poder de fazer isso: fazer graça fazendo Cinema.

    Rebeldia indomável

    Os quatro curtas-metragens da noite traziam em comum uma espécie de rebeldia. A Festa e os Cães ousa na forma, baseado em fotografias de uma festa em amigos na primeira metade, filmando seu realizador num longo plano em que ele explica uma música no final. A segunda parte se mostra bem mais interessante, dissipando-se o caráter de "filme selfie" do curta.

    Da Janela Pra Consolação é onde seu recluso protagonista observa a efervescência das ruas, da vida, num filme experimental bem simples, mas bacana. Carruagem Rajante já radicaliza de vez, numa grande viagem, um tanto incompreensível por vezes, mas muito bem filmada.

    Solon foi a superprodução da noite, caprichando nas imagens, em som, figurino, fotografia, na performance da protagonista... No cinema. Uma história bonita, singela, que mescla artes visuais a ficção científica e comprova o enorme talento de Clarissa Campolina (Girimunho). Que ela volte logo aos curtas-metragens.

    Hoje no Cine Ceará

    Após sete dias de muitos filmes, debates, festas e mais filmes, é chegado o grande dia. Às 20 horas, acontece a entrega do Troféu Mucuripe do 26º Cine Ceará, premiando os longas-metragens da mostra ibero-americana, os curtas-metragens brasileiros, os filmes da mostra Olhar do Ceará e tantos outros prêmios especiais. A obra de ficção O Estranho Caso de Ezequiel, de Guto Parente, será exibida em seguida, como filme de encerramento.

     

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