Difícil mensurar o impacto cultural de um filme como Tubarão. Em 1975, Steven Spielberg lançava um clássico do cinema americano com uma história aparentemente simples e comercial: um chefe de polícia, com a ajuda de um biólogo e um caçador profissional, corre contra o tempo para capturar um tubarão branco que aterroriza as praias ensolaradas de uma pequena cidade turística na Nova Inglaterra.
Dentre as muitas lendas que rondam as gravações e o lançamento de Tubarão, uma em particular envolve uma das cenas mais emblemáticas do longa; uma história até hoje pouco esclarecida sobre o surgimento do monólogo do marrento caçador de tubarões Quint (interpretado pelo talentoso Robert Shaw) sobre o navio USS Indianapolis.

Para os desavisados ou com memória curta, a cena em questão se passa durante o clímax do longa, no qual os três homens a bordo do barco Orca – Quint, Matt Hooper (Richard Dreyfuss) e Martin Brody (Roy Scheider) – compartilham um momento de camaradagem. Apesar de suas claras diferenças, ao partilharem ansiedades e memórias, o trio percebe que tem mais em comum do que imaginava, dividindo, além disso, naquele instante, uma ameaçadora missão de vida e morte.
Enquanto bebem e contam histórias, então, Quint decide narrar uma antiga tragédia na qual sobreviveu durante seu serviço militar na Segunda Guerra Mundial. É na embarcação USS Indianapolis que o caçador de tubarões viu seus mais de 1000 companheiros serem devorados por uma horda de tubarões no Oceano Pacífico na entrega da bomba atômica de Hiroshima na ilha de Tinian.

Robert Shaw entrega esse discurso com a paixão e a dureza características de seu personagem, mas ainda é um mistério quem de fato é o autor desse monólogo tão famoso para o cinema. Conforme as múltiplas versões da história, algumas suposições são mais prováveis que outras. Um vai e vem de rascunhos entre alguns dos roteiristas não creditados do filme torna-a ainda mais misteriosa.
De acordo com Spielberg, numa entrevista dada para a Entertainment Weekly em 2011, o dramaturgo Howard Sackler foi quem deu a ideia do discurso:
Eu nunca tinha ouvido falado do Indianopolis antes de Howard me contar. Ele disse um dia: ‘Quint precisa de uma motivação para nos mostrar o que o tornou daquele jeito e acho que é o incidente de Indianopolis’. Perguntei para ele o que foi isso e ele explicou o acidente inteiro, a bomba atômica sendo entregue e, na volta, o navio sendo afundado por um submarino e os tubarões rondando os marinheiros à deriva. Uma parte horrenda da história da Segunda Guerra. Howard não escreveu como um longo monólogo, ele provavelmente escreveu algo na linha de ¾ de uma página.
Desse primeiro material, Spielberg conta que seu amigo e colega de profissão John Milius foi quem dedicou 10 páginas à história, mas, por conta da extensão, ele entregou essa segunda versão para o ator Robert Shaw dar um trato e sintetizá-la. O roteirista oficial de Tubarão, Carl Gottlieb, entretanto, adiciona outra perspectiva nesse drama, afirmando que múltiplos modelos da fala estavam em disputa, inclusive um de Robert Zemeckis e Bob Gale, mas que Shaw foi quem fez a versão final.
"Shaw pegou e sintetizou. E numa noite, enquanto estávamos todos jantando, ele entrou com um punhado de papel e disse: 'Acho que tenho o discurso irritante pronto'. Basicamente ele o performou para a mesa e todos ficamos 'Uau'. Steven disse 'Isso é o que vamos filmar'", esclareceu Gottlieb numa entrevista para a Television Academy Foundation.

Tubarão está disponível na Apple TV+ e para compra e aluguel no Prime Video.