Com mais de 140 filmes dirigidos ao longo de 50 anos segundo seus arquivos, a tarefa de abordar a filmografia completa de John Ford é algo praticamente impossível, a menos que você renuncie a ver quase qualquer outra coisa. Mesmo focar apenas em seus faroestes pode ser um projeto inatingível, embora também seja um dos que mais recompensa.
Com ou sem seu confiável e inestimável John Wayne à frente, Ford foi deixando uma série de filmes imperdíveis que, longe de estarem concentrados em uma época específica, se distribuem por várias décadas. E com essa amplitude de tempo, variam as abordagens e reflexões sobre o gênero e o cinema em geral. Por isso é difícil errar ao escolher um faroeste favorito dele, assim como não se pode errar escolhendo um filme de terror de John Carpenter ou um thriller de David Fincher.
Ainda assim, vale a pena defender Paixão dos Fortes, embora muitos já o tenham feito ao longo da história.
20th Century Studios
Triângulos e um duelo icônico
Lançado em 1946, Ford aborda aqui uma das histórias que mais alimentaram o faroeste ao longo das décadas, deixando um exercício elegante e sublime que se destaca por si mesmo sem deixar de ter as características marcantes do diretor. Um elenco extraordinário com Henry Fonda, Linda Darnell e Victor Mature protagoniza este clássico que pode ser visto em streaming através do Looke, no Prime Video.
Wyatt Earp é um xerife aposentado que quer se concentrar no negócio de gado com seus irmãos, por isso inicialmente recusa o cargo de agente da lei para a cidade de Tombstone. A morte de um deles o levará a aceitar o cargo, tentando encontrar um vislumbre de justiça em um mundo selvagem, encontrando aliados improváveis no caminho.
A história real (relatada ao diretor pelo próprio Earp em determinado momento) provavelmente seguiu esses caminhos, mas ainda assim é louvável a restrição que Ford busca para repensar as histórias de vingança e reparação à força que costumam povoar o gênero do Oeste. Ele joga uma interessante carta melancólica para um dos primeiros filmes que dirige logo após voltar de capturar a crueza da Segunda Guerra Mundial.
20th Century Studios
Paixão dos Fortes: civilização e selvageria
Quem sabe se como resposta à violência presenciada, opta por abordar o conhecido tiroteio em OK Corral de uma maneira que continua sendo pouco convencional em relação a outras abordagens. Filmes como O Massacre dos Pistoleiros, Tombstone ou Wyatt Earp se estruturam principalmente em torno do conflito mais conhecido, enquanto Ford nos deleita com uma interessante história de relações com a cativante Clementine de Darnell ou esse complexo Doc Holliday que Mature interpreta magnificamente.
Paixão dos Fortes não é um filme em que Wayne teria se encaixado facilmente, encontrando ambivalências mais interessantes graças a um Fonda extraordinário. E também a um Ford que usa sua câmera como se fosse um pincel, criando quadros que impressionam e contam tanto com cada detalhe. Uma exploração meditada que permite florescer um conflito clássico do faroeste como a tensão entre a civilização, representada pela justiça, e os impulsos ainda presentes de selvageria e libertinagem. É o tipo de joia que ninguém deveria perder por nada neste mundo.