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    Ó Paí, Ó 2
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Ó Paí, Ó 2

    Ó Paí, Ó ganha update após 15 anos

    por Diego Souza Carlos

    Revisitar clássicos pode ser uma tarefa difícil tanto pela expectativa impulsionada pela nostalgia quanto pela falsa sensação de que nada será tão bom quanto a primeira vez. Nesta era tomada por resgates cinematográficos, em que boa parte dos lançamentos tem relação com algo do passado, Ó Paí, Ó 2 chega para responder perguntas feitas por milhões de brasileiros ao longo dos últimos 15 anos.

    Mais de uma década depois, o mundo e o Brasil mudaram drasticamente. Neste contexto, Roque (Lázaro Ramos) se prepara para lançar sua primeira música e está confiante que irá, finalmente, alcançar a fama como cantor. Enquanto isso, o cortiço de Dona Joana (Luciana Souza) continua agitado em meio a fofocas e confusões entre os novos moradores e vizinhos. Já Neuzão (Tania Toko), perde seu bar, causando uma comoção geral.

    Assim como o primeiro, que acontece em uma período de Carnaval, a turma é tomada por grande empolgação devido às preparações de outra grande celebração: a Festa de Iemanjá, uma das mais populares do calendário baiano, que concentra uma multidão em Salvador.

    Sob direção de Viviane Ferreira, segunda mulher negra a dirigir individualmente um longa de ficção no Brasil, o elenco também tem o retorno de astros como Érico Brás, Lyu Árisson, Dira Paes, Valdineia Soriano, Cássia Valle, Jorge Washington, entre outros.

    Reverência musical e ancestral

    Logo nas primeiras cenas da narrativa, quem recebe o público é Lázaro, o responsável por dar cara a um movimento que muitos conheceram no cinema, mas surgiu nos teatros a partir do Bando de Teatro Olodum - grupo que segue gerando talentos até hoje. Ainda em busca de seus sonhos e sempre conectado à cena musical, Roque agora é pai e já começa a trama na expectativa de ver o seu primeiro sucesso estourar nas rádios - e em todas as plataformas digitais de música, claro.

    Neste aspecto, somos apresentados a um dos alicerces do longa: a musicalidade. Intrínseca às sequências e transições pela capital baiana, a trilha sonora é inserida na própria voz dos artistas, sobretudo com o personagem de Lázaro, que lidera estes momentos. Algo que talvez não soe natural, mas funciona como ponte entre atos, é a forma como algumas canções são apresentadas como em clássicos musicais, quase como um videoclipe dentro da película. Inclusive, entre as participações especiais temos a presença do BaianaSystem, encabeçada por Russo Passapusso, Margareth Menezes e Clara Buarque.

    Parte essencial da franquia, a sonoridade baiana também se mostra em trechos que falam literalmente sobre ancestralidade e futuro. Em determinado trecho da narrativa, após levar um revés do destino, Roque vai de encontro àqueles que moldaram a cultura fora das telas, em uma bonita reunião que emocionou tanto personagens como seus intérpretes. É um momento de reverenciar músicos e artistas que criaram as bases da música negra e, estabelecendo paralelos entre ficção e realidade, são importantes para todos ali reunidos.

    Passagem de bastão

    Ao longo da história, Ó Paí Ó 2 fixa um de seus maiores pilares além das faixas recheadas de afrobeats: a tecnologia. Enquanto a história mostra rostos conhecidos ao público e já introduz alguns dos novos personagens, ferramentas digitais, citações a lives, smartphones e outros recursos visuais que orbitam a temática envolvem passagens por Salvador e pelo Pelourinho.

    Algo que também será notado por todo público que retoma essa história 15 anos após o dramático desfecho de 2007 é o início da passagem de bastão para uma nova geração. Enquanto o primeiro filme se concentrava em acompanhar as mazelas de um grupo de adultos que tentavam viver e sobreviver ao conturbado início do milênio, essa nova empreitada dá espaço e protagonismo para o núcleo jovem composto por talentos efervescentes.

    Enquanto os adultos estão tentando encontrar uma maneira de ajudar Neuzão ao estilo old-school, o grupo de crianças e adolescentes formado pelos filhos dessas famílias encontra na tecnologia uma maneira de descobrir a identidade dos responsáveis por tirar o bar da personagem de Tania Toko.

    Afrofuturismo e mudanças sociais no Pelourinho

    Há certas liberdades criativas durante a imersão ao campo tecnológico e, talvez, um precipitado uso dos conceitos de metaverso. Todavia, enquanto o recurso se mostra distante da realidade de muitos e não tem uma presença efetiva em nossas vidas, há beleza em criar um imaginário afrofuturista a partir dessa proposta.

    Fazendo uma breve reflexão, é como criar uma perspectiva otimista sobre as novas gerações em contraste a um passado em que existiam dificuldades em se imaginar nesse universo tecnológico. É quase como se a diretora firmasse um compromisso de que a juventude negra faz parte intrínseca do futuro (uma verdade) a partir do olhar tecnológico.

    Isso não chega à tela somente pelo apelo dos óculos de realidade virtual, mas também está em mostrar estes jovens personagens lidando com pautas sociais e as próprias liberdades afetivas em cena. Essas questões se manifestam tanto na execução de um slam, espaço de manifesto e poesia promovido por jovens da periferia, quanto na interação entre eles.

    Estes elementos são bem interessantes em tela, ainda mais quando somados ao típico humor da franquia. Apesar disso, o filme não se esquiva tão bem de problemas em sua execução. Para um projeto que coloca tantas coisas importantes em seu balaio de histórias, falta um cuidado ao lidar com personagens que vieram de fora, especialmente relacionados ao plot principal - ainda que a própria problemática seja combatida no filme, não é algo tão efetivo.

    O discurso antirracista, completamente necessário e intrínseco à trama, também ressurge de maneiras atualizadas. Mesmo evitando comparações com o projeto original, é difícil se desvencilhar do fato de que o longa de 2008 consegue incluir conflitos e questões relacionadas ao tema majoritariamente de maneira orgânica, enquanto Ó Paí Ó 2 falha em deixar isso natural aos textos e, em determinados momentos, soa expositivo.

    Com o excesso de histórias e personagens importantes, é esperado que alguns conflitos sejam priorizados. Isso acontece em qualquer obra que se proponha a explorar a história de indivíduos tão ricos e complexos. Embora seja um ganho para o projeto, partes do enredo são resolvidas de maneira apressada.

    Uma das tramas mais tocantes do longa tem relação com Joana, interpretada lindamente por Luciana Souza. Diretamente conectada ao desfecho do filme anterior, há aqui uma espécie de redenção à personagem que perdeu seus filhos para a violência policial. Apesar de ganhar bastante espaço de tela ao longo da narrativa, seu drama é encerrado sem o devido apreço, por exemplo.

    Ó Paí Ó 2 chega aos cinemas cheio de boas intenções. Ainda que tropece entre as ruas e vielas do Pelourinho para reimaginar a vida após 15 anos, o longa se cerca de inserções que não só divertirão o público, como também devem reverberar de forma positiva na audiência. Entre música, religiosidade, tecnologia e passagem de bastão, há arcos que ficam a desejar justamente pelo desejo de representar tantos Brasis através destes amados personagens.

     

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