Taxi Driver
Lançado em 1976, "Taxi Driver" foi dirigido por Martin Scorsese, escrito por Paul Schrader (roteirista em Touro Indomável) e estrelado por Robert De Niro, Jodie Foster, Cybill Shepherd, Harvey Keitel, Peter Boyle, Leonard Harris e Albert Brooks. Situado em uma Nova York decadente e moralmente falida após a Guerra do Vietnã, o filme segue Travis Bickle (De Niro), um veterano que trabalha como motorista de táxi à noite pela cidade.
O gênio da sétima arte (Martin Scorsese) se estabeleceu como um dos grandes diretores de cinema dos Estados Unidos ao longo dos anos 70, justamente por entregar obras de grande profundidade nos temas, com histórias bastante interessantes e abrangentes sobre a violência urbana, e seus personagens carregado com bastante complexidade e perturbações diversas. Exatamente o que encontramos em sua obra-prima - "Taxi Driver". O longa de Scorsese ficou marcado como um dos seus primeiros trabalhos a ser notavelmente bem reconhecido, alcançando um grande sucesso tanto comercial quanto crítico.
Temos aqui uma verdadeira aula de abordagem sobre as várias camadas de um ser humano, ou da vida desse ser humano. O longa de Scorsese é seco, é cru, é cinza, é pesado, é intragável, nos dá a nítida impressão que o ser humano é movido pela emoção, pelas circunstâncias e pelas pessoas em sua volta. Scorsese nos mergulha em uma Nova York corroída pelo o crime, pela insegurança e principalmente pela violência ao final dos anos 70. Este é o cenário completamente decadente em que conhecemos Travis Bickle. Um jovem de 26 anos que recentemente foi dispensado do Corpo de Fuzileiros Navais após a Guerra do Vietnã. Travis é um desajustado social, um taxista solitário que vive em um estado mental deteriorado, que vive cercado pela alienação, solidão, raiva e violência urbana. Travis passa a se incomodar com a violência, com o declínio moral ao seu redor, com toda a escória que contamina aquela cidade. Esta é toda a magia da obra de Scorsese, a forma como vamos observando a mudança comportamental de Travis, que passa de um mero taxista que sofre de insônia para uma espécie de justiceiro, de herói, na verdade um anti-herói.
O roteiro de "Taxi Driver" é completamente impecável, pois o roteirista Paul Schrader teve a grande sacada em se basear em suas experiências pessoais, numa época em que ele andava insone pelas ruas de Nova York, frequentando cinemas pornôs e andando de táxi - e olha que esse roteiro foi escrito em apenas dez dias. O longa ainda traz uma narrativa clássica, uma forma de desenvolver toda a história em uma trama linear, que nos é mostrada sobre a perspectiva de um conto urbano sobre decadência e insanidade, ou seja, toda a história é mostrada a partir do olhar solitário do taxista, que é centrada em seus embates e seus conflitos, que reside o impacto dramático da narrativa - sensacional!
Um dos grandes pontos bem desenvolvidos pelo Scorsese está exatamente na forma em que observamos a postura de Travis em seu dia a dia, pois ele era uma pessoa extremamente silenciosa e monossilábica na presença dos colegas de trabalho ou estranhos. O que só corrobora com a sua postura antissocial ao explicitar um discurso bastante ácido, verborrágico, preconceituoso, moralista e cheio de desprezo pelas pessoas que ele se depara nas ruas. Como na cena em que nos deparamos com o seu discurso: "Todos os animais saem à noite - prostitutas, depravados, pederastas, drag queens, michês, drogados, viciados, doentes e mercenários. Um dia uma chuva de verdade virá e lavará toda essa escória para fora da rua." Logo de cara já compreendemos o porque da condição solitária em que vive Travis Bickle.
Em "Taxi Driver", Scorsese faz uma releitura da sociedade americana dos anos 70, e não somente a sociedade, mas também o cinema norte-americano, que por sua vez havia abandonado de vez a leveza das décadas anteriores e passou a abordar temas mais sérios do cotidiano americano - como violência, drogas, sexo, caos urbano, solidão e política. A obra de Scorsese ilustrou com muita veracidade todo movimento vivido pela sociedade americana nos anos 70, ou seja explicitando os problemas que era enfrentado, a dificuldade de inserção na sociedade, mostrando as partes da periferia de Manhattan, que corroborava diretamente para as regiões mais pobres de Nova York, que eram marcadas pelo desemprego, violência urbana, prostituição infantil e drogas. Definitivamente o cinema dos anos 70 passou a ser mais sombrio e mais pesado.
O elenco de "Taxi Driver" é absurdamente genial em todos os quesitos!
Temos aqui o segundo filme daquela que viria a se tornar uma das maiores parcerias da história dos cinema - Robert De Niro e Martin Scorsese. De Niro (adoro ele em O Lado Bom da Vida) está incrível, está impecável, ele trabalhou durante 12 horas como motorista de Táxi ao longo de um mês, como preparação para seu personagem, além de ter estudado sobre doenças mentais. Uma escolha mais do que perfeita para viver um dos seus personagens mais marcantes de sua carreira. E olha que inicialmente o personagem de Travis Bickle foi oferecido ao Dustin Hoffman, porém o ator recusou a proposta porque achou que Scorsese "estava maluco". E não é que o Scorsese estava mesmo, e ainda teve a contribuição do De Niro, que estava ainda mais maluco. E toda essa maluquice resultou nessa obra de arte e na indicação de De Niro ao Oscar.
A jovem Jodie Foster (a lendária Clarice Starling de O Silêncio dos Inocentes) estava com apenas 13 anos durante as filmagens, por isso ela não podia participar de cenas muito fortes. Sua irmã, Connie Foster, na época com 19 anos de idade, foi contratada para trabalhar como dublê de corpo. Fico pensando em como o cinema naquela época era realmente em outros tempos, pois imagina como seria hoje em dia a escalação da Jodie Foster, entre 12 e 13 anos, no papel de um prostituta infantil. Ou seja, escalar praticamente uma criança para fazer o papel de uma prostituta. Me lembra o caso da Kirsten Dunst com apenas 12 anos na época do "Entrevista com o Vampiro", onde ela tem aquela cena icônica do beijo. Porém, a jovem Jodie Foster deu um show, um espetáculo, uma atuação muito segura, verossímil, com uma performance que parecia que ela já tinha uma vasta experiência na arte de atuar, o que só comprovou com a belíssima atriz que ela se tornou. Muito bem reconhecida com a nomeação á Melhor Atriz Coadjuvante no Oscar de 1977.
Harvey Keitel (O Irlandês, também do Scorsese ) também foi outro parceiro de longa data de Scorsese. Keitel traz a personificação do cafetão ambicioso, inescrupuloso, doentio, que fazia juras de amor para Iris (Jodie Foster), quando tudo não passava de uma farsa só para tê-la junto de si lhe servindo. Bela atuação de Harvey Keitel. Completando o elenco com Cybill Shepherd (Simplesmente Alice, de 1990, de Woody Allen). Betsy era a crush (kkk) de Travis, que logo em seu primeiro encontro passou por uma situação bastante constrangedora (e hilária, eu diria). Uma atuação ok de Cybill Shepherd, nada memorável, mas ok, compôs bem a sua personagem (destaque para a sua última cena com Travis no Táxi).
Scorsese emprega uma habilidade gigantesca por trás das câmeras, cuja maestria estava justamente em nos aproximar de cada personagem com o poder de cada foco, de cada take. E não é somente por trás das câmeras, mas também atuando como o passageiro do Táxi de Travis que flagra a esposa na janela - aquela cena icônica. A fotografia do longa é bem diversificada, o que nos dava a exata dimensão do que estava sendo proposto em cada cena unicamente pela fotografia. A direção de arte é absurdamente perfeita com a época em que o longa foi rodado, pois éramos confrontados com cenários, carros, roupas, iluminações, tudo rigorosamente bem arquitetado no padrão dos anos 70.
A trilha sonora é completamente estupenda! Uma trilha sonora forte, potente, que se alternava entre a melancolia do jazz e a força dos sons mais fortes e mais avassaladores para nos sugerir a potência de toda aquela violência urbana, que se escondia por trás da solidão e das fantasias. A trilha sonora foi criada pelo gênio Bernard Herrmann (compositor em obras como Cidadão Kane de 1941, Um Corpo que Cai de 1958, e foi o eterno criador da marcante trilha sonora de Psicose – 1960). O lendário compositor Bernard Herrmann morreu na véspera do Natal de 1975, poucas horas após concluir a trilha sonora de "Taxi Driver". Trilha essa que ficou marcada e eternizada como a sua partitura final e sua última obra-prima, e que foi dignamente reconhecida com a nomeação ao Oscar.
Uma curiosidade insana: Travis Bickle estava tramando contra um candidato à presidência dos EUA, que afirmava ser uma nova representação do povo americano. Enquanto também tramava a vingança e a salvação da pequena Iris, que pra isso teria que limpar toda aquela sujeira e toda aquela escória que se alastrava na cidade. Partindo desse mesmo estado de espírito apresentado no filme que, infelizmente, inspirou a tentativa de assassinato na vida real de John Hinckley Jr. contra o presidente dos EUA, Ronald Reagan, em 30 de março de 1981. Na verdade, Hinckley realizou o atentado com o objetivo de impressionar a atriz Jodie Foster - bizarro e doentio!
Scorsese ficou marcado por sempre nos entregar finais ambíguos em suas obras, que nos obrigava a tirar às nossas próprias conclusões, fazer às nossas próprias interpretações, e aqui não é diferente em relação ao final da história de Travis Bickle.
Existe uma eterna discursão em torno do final de Travis. Acredito que ele conseguiu todo o seu heroísmo ao libertar a pequena Iris, ou seja, ele realmente acreditava que suas ações serviriam para um propósito maior. E a cena final é exatamente o Travis se reencontrando com a Betsy em seu Táxi. Cena essa que ficou marcada pela notícia do heroísmo de Travis chegando até Betsy, onde ela mesmo expressa uma admiração por ele (ao invés de repudia, como ela sempre fazia). Porém, dessa vez é ele que a deixa sozinha e parte com seu Táxi.
É exatamente nesse ponto da trama que se estabelece a eterna discursão do final de "Taxi Driver". Esta cena do Táxi ao final seria apenas imaginária? Seria apenas uma ilusão? Seria apenas uma fantasia? Realmente Travis sobreviveu ao tiroteio? Além de ter levado um tiro no pescoço. Ou seria algo da sua imaginação em estado de agonia antes de morrer? Eu realmente acredito que Scorsese quis dar um final ambíguo para a sua obra, para levantar mesmo várias discursões. De fato, Travis pode ser visto como uma espécie de figura sagrada por tudo que fez e ainda vive, ou pode ser visto como um assassino profano que realmente morreu e está preso no inferno. Já eu realmente acredito que de fato o Travis morreu no sofá logo após a cena do tiroteio, e que toda aquela cena do Táxi existiu apenas em seu imaginário (ou no nosso), como uma ilusão, algo fantasioso de sua mente corrompida e já danificada.
"Taxi Driver" permaneceu extremamente popular; um dos mais culturalmente significativos e inspiradores de seu tempo. Em 2012, a Sight & Sound (uma revista de cinema britânica de publicação mensal) o nomeou o 31º melhor filme de todos os tempos em sua pesquisa decenal de críticos, o classificando como uma espécie de "O Poderoso Chefão Parte II", e o quinto maior filme de todos os tempos na pesquisa de seus diretores.
O longa de Scorsese ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1976, e quatro indicações ao Oscar de 1977, incluindo Melhor Filme (perdendo para o eterno Rocky), Melhor Ator (para Robert De Niro) e Melhor Atriz Coadjuvante (para Jodie Foster).
"Taxi Driver" realmente é um marco no cinema e na carreira cinematográfica de Scorsese, que queria que seu filme parecesse um sonho para o público. A obra de Scorsese é bastante influente e traz uma grande representatividade de sua época e de como as histórias eram feitas.
"Taxi Driver" é aquela obra de arte categórica que expõe todos os limites alcançados pela uma mente humana doentia e deturpada. Uma excelente obra-prima marcante, influente, icônica, lendária e clássica. [15/09/2022]