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    Saudade Fez Morada Aqui Dentro
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Saudade Fez Morada Aqui Dentro

    A beleza que Bruno vê: Saudade Fez Morada Aqui Dentro é filme nacional potente e dramático

    por Giovanna Ribeiro

    Saudade se explica? Talvez. Quando se entende claramente o objeto que a provoca, certamente fica mais fácil. Saudade de alguém. De um lugar. De um tempo. Mas e quando se sente saudade de algo ainda desconhecido? Como um bonde indo em direção ao futuro, e que por circunstâncias para além do nosso controle, passa reto na nossa estação. Qual é o nome desse sentimento?

    Saudade Fez Morada Aqui Dentro, dirigido e roteirizado por Haroldo Borges, apresenta o jovem Bruno (Bruno Jeferson) de 15 anos, que mora em um bairro humilde do interior da Bahia. Vivendo uma adolescência ativa e comum, o garoto recebe uma notícia que abala tanto sua base familiar - composta por uma mãe solo (Wilma Macedo) e um irmão mais novo (Ronnaldy Gomes) - quanto sua comunidade escolar. Mas sobretudo, sua ideia de futuro. Um diagnóstico de uma doença degenerativa grave, que, muito em breve, o deixará totalmente cego.

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    Experimentando esse diagnóstico tão brutal em uma idade tão intensa, Bruno vivencia um daqueles casos raros, de quando o senso de urgência da adolescência se justifica. Já não será possível encarar o mundo pelas lentes de antes, de sempre. E mesmo essas lentes, viram tão pouco, que Bruno ainda nem teve tempo de entender a beleza do mundo e saber o que é capaz de lhe comover.

    A partir da perda da visão, para além de não poder enxergar, também não será possível prever ou controlar como ele passará a ser visto pelos outros. Uma situação tão particular, ao mesmo tempo, extremamente universal. Saudade Fez Morada Aqui Dentro usa o diagnóstico de Bruno, para torná-lo frágil. E para aceitar-se frágil, Bruno precisará contradizer toda uma narrativa que sempre o cobrou para ser invencível - como todo menino adolescente crê que deveria ser.

    Uma aprendizagem coletiva

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    A dor de Bruno está longe de ser uma dor individual. Passa por esta mãe solo, que abraça a responsabilidade de tornar a nova vida do filho um pouco menos desafiadora. Por um irmão mais novo, que por sempre enxergar Bruno como uma referência, tenta manter um nível mínimo de normalidade e estimular o irmão a continuar sendo aquela versão tão íntima e conhecida. E por uma rede de amigos, em especial, representados nas figuras de Terena (Terena França) e Angela (Angela Maria).

    Toda essa rede de apoio, além de conhecer um novo Bruno, também o acompanha no processo que o garoto enfrenta ao precisar conhecer seu novo futuro, que envolve uma nova perspectiva de afeto, de masculinidade e de posição no mundo. Novamente, Bruno é um pouco do que somos todos nós. Porém, forçado a amadurecer em poucos meses, e responder perguntas que envelhecem na gente, muitas das vezes, sem resposta.

    Conhecer de olhos fechados

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    Assim, o garoto imerge em um estado permanente de saudade. Dessa ideia de vida, de amor, e de homem que se tinha. Mas a trama de Haroldo Borges vai muito além da ausência. Da falta. Do vazio que faz morada na vida de Bruno, quando uma certa manhã, o garoto desperta de um sonho tranquilo, e se vê inserido em um verdadeiro pesadelo particular. Na escuridão, Bruno finalmente entende a beleza do mundo. Quase como, agora, pudesse enxergar melhor o pôr do sol, sem de fato assisti-lo todos os dias.

    Todo dia ele acorda ansioso por esperar que, assim como as perdas são repentinas, os retornos também sejam. Mas a vida é irreversível. E dessa forma, Bruno aprende a confiar em tudo aquilo que ele já conhece, e trilhar seu caminho na certeza de quem consegue viver a própria vida de olhos fechados. Ao acolher a fragilidade de sua condição, Bruno alcança uma maior consciência de si. E se vê forte como nunca.

    A potência da trama

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    Ao assistir Saudade Fez Morada Aqui Dentro, não recebemos, infelizmente, uma obra audiovisual que encanta pela sua cinematografia. Com recursos aparentemente escassos, o filme, visualmente, fica somente na superfície de onde poderia navegar, e precisa se sustentar na atuação, que de tão sincera, beira o intuitivo e documental. E claro, na força do texto.

    Com uma história tão tocante, o filme, vira potência. Potência é aquilo que com certeza pode ser algo, mas ainda não foi e nem sempre será. No entanto, Saudade Fez Morada Aqui Dentro definitivamente é. E ganha materialidade ao inevitavelmente emocionar qualquer espectador, ansioso em assistir algo autêntico e com alma.

    Não à toa, o filme foi muito bem-sucedido e premiado, desde o Festival do Rio (Melhor Filme na Competição Novos Rumos da Première Brasil) à Mostra de Cinema de São Paulo (Prêmio Netflix e Prêmio Paradiso). E concorre a uma vaga como indicação brasileira ao Oscar.

    A saudade que faz morada em Bruno, é daquilo que ele ainda não viveu, não conheceu, e fatalmente, não verá. Mas, ao encontrar beleza em não ser mais a quase-pessoa que ele achou que seria, ele se vê inteiro, maior e mais forte, agora que pode ser outro. Perdendo o bonde do futuro previsto, Bruno muda o caminho, pegando o bonde em outra direção. Ainda mais atento ao que o cerca.

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