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    A Poetisa
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    A Poetisa

    A exceção que confirma a regra

    por Bruno Carmelo

    Hissa Hilal conquistou um feito raríssimo na Arábia Saudita: ela foi a primeira mulher finalista do programa “Poeta do Milhão”, um reality show de poesia que atinge índices de audiência excepcionais em seu país. Os textos da poetisa são questionadores, atacando os privilégios masculinos e a tentação do islamismo radical. Por um lado, ela conquistou fãs no mundo inteiro, tornando-se famosa em publicações europeias. Por outro lado, acumulou ameaças da morte da esfera mais conservadora da sociedade.

    Os diretores Stefanie BrockhausAndreas Wolf oferecem uma biografia sobre a trajetória de Hilal, algo louvável dentro de um país de cinematografia limitada, devido a raros fomentos à produção artística. O formato é bastante convencional, remetendo às reportagens televisivas através da alternância de material de arquivo e entrevistas com a protagonista enquadrada no centro da imagem. Curiosamente, não descobrimos os poemas dos outros concorrentes, nem escutamos pontos de vista distintos sobre o trabalho de Hilal. À cineasta, a simples existência da protagonista constitui uma postura política em si.

    Podemos falar em feminismo relacionado às duas mulheres deste projeto – a diretora e a poetisa? Talvez não. A escritora se diz “apaixonada pelo islamismo”, defensora da superioridade masculina e contrária a transformações profundas na sociedade. Por ter crescido neste sistema, ela reivindica passos que podem parecer pequenos aos olhos dos ocidentais, como aparecer em público sobre um palco e não usar a burca completa. Percebe-se que, para ela, esta mudança constitui uma ousadia digna de nota, e que qualquer evolução social deveria acontecer aos poucos, em conjunção com a aprovação masculina.

    Já os diretores demonstram dificuldade em posicionar o seu discurso. Através de uma reconstituição de época, Brockhaus e Wolf sugerem que a Arábia Saudita se tornou muito mais opressora em relação às mulheres desde a década de 1970. Antes disso, elas podiam andar na rua sozinhas, sem qualquer peça de vestimenta cobrindo os cabelos e o rosto. No entanto, os diretores também insistem que a existência de Hilal na televisão representaria a prova da liberação das regras religiosas no país. Afinal, os costumes muçulmanos estão se tornando mais rígidos ou mais permissivos? A protagonista não seria apenas a exceção que confirma a regra?

    O filme tampouco indaga o papel do espetáculo no suposto empoderamento feminino. Os organizadores do evento deixam claro que a inclusão de Hilal entre os homens ocorre como elemento provocador, ou seja, uma isca para aumentar a audiência. A personagem foi escolhida, acima de tudo, pela polêmica capaz de despertar nas mídias – sinal de que o sensacionalismo atravessa as culturas mais distintas, do cristianismo ao islamismo. Fora de casa, Hilal sequer pode andar com o rosto descoberto no banco de trás de um carro. Mas os cineastas saúdam a evolução “evidente” e torcem por outros casos semelhantes. Mesmo sem indícios suficientes para tamanho otimismo, torcemos com eles.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

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