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    Lamento
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Lamento

    Abstinência de dores e amores

    por Vitória Pratini

    A linguagem cinematográfica se apropria, de forma quase poética, do “eu lírico” dos personagens. Filmes clássicos como Clube da LutaDe Olhos Bem FechadosBrilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças exploram, a todo momento, narrativas oníricas de forma a não sabermos o que é real e o que não é. Afinal, o público vê o ponto de vista dos protagonistas e o que eles acreditam. É o caso, também, de Lamento, filme estrelado por Marco Ricca que explora os devaneios do personagem de forma com que se misturem com a triste realidade de seu meio.

    Dirigido pelos diretores estreantes Diego Lopes e Claudio Bitencourt, o filme mistura drama e suspense e segue Elder (Ricca), um homem de família rica que herdou de seu pai um hotel de luxo, mas que acabou levando o negócio da família à falência. Beirando os cinquenta anos, o personagem enfrenta uma grave crise emocional devido aos seus problemas financeiros e isso se reflete em seu casamento, cada dia mais frágil. Por incrível que pareça, as coisas pioram quando um homem arruaceiro se hospeda no hotel, ao lado de uma garota de programa, que chama a atenção de Elder e desaparece misteriosamente.

    Roteiro prejudica um pouco o ritmo mas Marco Ricca compensa com brilhante atuação

    “Não sei se ele é azarão ou bandido”, comenta o delegado para Rosa. Essa é a grande questão de todo o filme. O Elder de Marco Ricca é a representação das pessoas que ficam sempre se lamentando, imaginando que tudo é uma grande conspiração e pensando no que pode melhorar na vida e acaba esquecendo de aproveitar os momentos de felicidade.

    O roteiro, escrito por Diego Lopes, é arrastado, apresentando reviravoltas impressionantes e confusas. Isso porque 90% do filme acontece do ponto de vista de Elder e ele mesmo está confuso sobre os acontecimentos. O personagem é passivo e, sem perspectiva de mudança na vida, escolhe fugir da realidade, voltar à vida de excessos e vícios, ao invés de enfrentar seus problemas. Tal escolha narrativa oferece momentos de tensão e mistério mas também prejudica o ritmo do filme: Lamento por vezes é enfadonho, repetitivo, com o espectador tão envolto no espiral de obsessão quanto Elder.

    A direção e a fotografia são um espetáculo à parte, inspirado na estética noir. Chega a ser poético a representação da abstinência de Elder, não só do álcool, mas de dores, de amores.

    Mesmo com as falhas, Marco Ricca é brilhante, inspirando no espectador sentimentos dúbios em relação a seu personagem. O ator, que já tinha provado sua excelência em produções como Chatô e Canastra Suja, mais uma vez entrega uma das melhores atuações de sua carreira como o introspectivo e conflituoso Elder.

    Elenco acompanha regência de Marco Ricca

    Ricca vem acompanhado de ótimos colegas de elenco. O principal destaque é Verônica Rodrigues, que encarna bem a personagem da esposa de Elder, Rosa, a única além de Ricca que ganha cenas a partir de sua perspectiva.

    Thaila Ayala, no nono longa-metragem da carreira (antes do inédito O Garoto, no qual trabalha ao lado de Bruno Gissoni), assume o papel da misteriosa garota de programa em Lamento. Ela diz, no máximo, duas frases durante o filme todo, mas está presente na imaginação (ou realidade) de Elder a todo momento em fortes cenas fortes de violência e assédio.

    Letícia, a personagem de Thaila Ayala é acompanhada de um homem instável, viciado em drogas, álcool e sexo, que se hospeda no hotel. Este é vivido por Diegho Kozievitch (o Nino de Castelo Rá-Tim-Bum, O Filme!), que entrega uma atuação verossímil, fazendo um paralelo à situação de Elder -- ambos passivos, sem forças para lutar contra os desejos mais profundos e perigosos. A veterana Ilva Niño está confortável no papel da recepcionista do hotel, enquanto Renet Lyon e Otávio Linhares ficam meio apagados em cena.

    Assim como o personagem, Lamento fica no limite entre realidade, imaginação e conspiração. Com momentos poéticos e um final chocante, surpreende, deixa dúvidas e inspira debates.

     

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