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    Ainda Temos a Imensidão da Noite
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Ainda Temos a Imensidão da Noite

    A música idealizada

    por Sarah Lyra

    Em Ainda Temos a Imensidão da Noite, o diretor Gustavo Galvão vai além da já conhecida relação de amor e angústia com a música tão extensamente abordada no cinema. Ele propõe, ainda que superficialmente, uma reflexão sobre o lado comercial da arte, e problematiza a descaracterização cultural desenfreada de grandes centros urbanos. Ao adotar Brasília e Berlim como cenários para a trajetória da protagonista Karen (Ayla Gresta), Galvão desperta uma série de leituras sobre o mundo contemporâneo, não só no que diz respeito à produção artística, mas principalmente às dores de relacionamentos, pressões sociais e aspirações profissionais.

    Desmotivada com a cena musical brasiliense, Karen vai a Berlim com a promessa de uma nova vida, em uma cidade onde a qualidade artística é devidamente reconhecida pelo público. Como toda mudança, a de Karen também é permeada por idealizações, o que inevitavelmente leva a uma grande frustração. Embora a ajuda de Martin (Steven Lange) proporcione algumas vantagens, a conclusão da protagonista é de que a capital federal e a cidade alemã não são tão diferentes. Ao conhecer músicos locais, é revelador ouvi-los falar da antiga Berlim, vibrante e cheia de personalidade, o contrário do que se tornou agora: um reduto de turistas dispostos a pagar muito acima do preço por objetos, comidas e passeios para se obter um senso de experiência única, segundo a descrição de um deles.

    É uma pena que o longa não adentre mais profundamente essas questões e decida direcionar a trama exclusivamente para os percalços de Karen. Personagens como Martin e Artur (Gustavo Halfeld) jamais recebem a chance de se desenvolver ou apresentar particularidades que poderiam agregar à história. Eles entram em cena quase sempre para revelar ou ressaltar alguma escolha da protagonista. Nem mesmo o personagem de Gresta é tão aprofundado. Em certos momentos, se torna difícil manter uma conexão com ela e seus dilemas, já que não fica tão claro o motivo de sua constante rebeldia, sendo essa característica exaltada quase sempre para fazê-la parecer cool e não como o sintoma de algo mais complexo. A única nuance que realmente se vê é quando ela é colocada junto ao avô e à mãe, com quem mantém uma complicada dinâmica familiar.

    O aspecto musical se mostra um dos mais acertados no longa, principalmente pela escolha de acompanhar o amor de uma mulher por um instrumento menos popular que guitarra e bateria, por exemplo. As músicas não apenas evidenciam a proposta sonora da artista, como também desempenham a função de expressar sentimentos que não são postos de forma explícita nos diálogos. É como se, de fato, Karen se encontrasse consigo enquanto toca. Justamente por ser tão fora da curva, soa estranho o roteiro empregar falas em que a protagonista sugere que quem não aprecia sua música não curte rock de verdade, enquanto reforça a máxima de que o gênero morreu.

    Apesar do aceno a problemáticas mais complexas, Ainda Temos a Imensidão da Noite se apresenta, em essência, como um filme sobre música e uma artista em sua jornada pelo reconhecimento do qual acredita ser digna. A falta de contornos mais ousados faz falta, e a imensidão sugerida pelo título é mais pontual do que constante.

    Filme visto no 52º Festival de Brasília, em novembro de 2019.

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