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    Diz A Ela Que Me Viu Chorar
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Diz A Ela Que Me Viu Chorar

    Compreensão e distância

    por Barbara Demerov

    A câmera foca na paisagem aberta da cidade de São Paulo sempre ao fundo do quadro, como se fosse uma pintura intocável. Distantes do "mundo real", os habitantes de um local chamado Hotel Social e suas rotinas que misturam-se com drogas, desafios e desejos formam o cerne de Diz a Ela que me Viu Chorar. Observativo do início ao fim, a diretora Maíra Bühler faz com que seu documentário ganhe potência mesmo que mantenha distância daqueles que observa, com o intuito de nos mostrar que a vida de um viciado em crack também pode encontrar o amor.

    Apesar do filme ser iniciado com uma pessoa fumando a droga, a obra se propõe a expor as realidades daquelas pessoas marginalizadas e completamente ofuscadas da sociedade. Este é um filme sobre amor, dor e perda. Sobre a capacidade do ser humano encontrar afeição mesmo nos momentos ou locais mais difíceis e que parecem não dar qualquer tipo de saída. Nos corredores e escadas do hotel (fechado pela gestão Doria pouco tempo após a finalização do filme), acompanhamos as nuances entre gestos de carinho e de violência como se a câmera de Bühler estivesse escondida, com poucas interações para com os habitantes do local.

    Meses de acompanhamento foram capazes de registrar sem dificuldade os contrastes entre estes momentos leves com os mais fortes, desmontando a imagem que muitos podem ter de que viciados em crack são pessoas despidas de humanidade. Pelo contrário, o filme mostra exatamente as razões pelas quais elas não devem ser esquecidas ou demonizadas. Em certos momentos, há reflexões sobre vida e morte, um monólogo sobre um filho que não sabe se seu pai ainda está vivo, demonstrações de afeto entre casais de diferentes idades e um "Feliz Natal" proferido de forma solitária dentro da caixa d'água do prédio. 

    No entanto, a distância já citada que a diretora opta por ser o fio condutor de seu filme traz certo incômodo. Salvo um momento em que a câmera se encontra parada dentro do elevador, acompanhando o vai e vem de seus moradores (o que resulta em algumas interações com a equipe), não há uma conexão profunda entre a mensagem e o mensageiro. Na cena do elevador, inclusive, uma mulher pede para a câmera ser desligada - fato este que salienta a sensação de que, no fim, o que vemos são apenas imagens sobrepostas que abordam um tema extremamente pertinente, mas que carece de mais envolvimento emocional.

    Em Diz a Ela que me Viu Chorar, é justa e precisa a intenção de dar voz àqueles que perderam as suas enquanto membros de uma sociedade. Contudo, a comunicação com aquelas pessoas poderia dar ainda mais ênfase às suas histórias; mais do que acompanhar seu dia a dia como se ninguém estivesse ali. Ainda assim, a neutralidade na captação de imagens entrega momentos poderosos, como na cena em que uma moradora assiste novela e responde uma personagem que reclama que ninguém a ouve. "Ninguém me ouve também", ela responde, com uma espontaneidade de quem já está acostumada com tal ideia. Se o documentário falha na intenção de proporcionar empatia em sua estrutura, os moradores compensam naturalmente.

    Filme visto no 8º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2019.

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