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    Piranhas
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Piranhas

    Introdução à máfia

    por Bruno Carmelo

    Você já viu esse filme antes: um personagem começa a admirar o funcionamento das gangues locais e, por talento e senso de oportunidade, trata de se infiltrar no mundo do crime. Ele cresce rápido, conquista os patrões, recebe novas responsabilidades, passa a ter seus próprios funcionários. Experimenta drogas, festas luxuosas, sai com mulheres; enfrenta inimigos, evita tiros e emboscadas. Até o momento em que sua ambição se torna grande demais, Ícaro queima as suas asas e volta à terra. Existe um aspecto fabular evidente nestes contos de ascensão e queda dentro da máfia, especialmente a italiana, cujo imaginário popular está cercado de fetiches.

    Além disso, você já viu este filme desta mesma maneira. Piranhas emprega com confiança cega a cartilha do cinema de personagens calcado na urgência: durante 80% das cenas, a câmera acompanha o rosto ou a nuca de Nicola (Francesco di Napoli), garoto de 15 anos de idade, em sua incursão pelas milícias do sul da Itália. A imagem treme freneticamente, mete-se entre os grupos de amigos durante as festas e tiroteios, como se o espectador fosse um personagem a mais. Este cinema de imersão pretende transmitir tanto o prazer da simulação (sentir-se como se você estivesse de fato no local) quando o teor amargo da derrota. Acompanhamos o mundo de Nicola pelos olhos dele.

    Por um lado, Piranhas traz uma descrição detalhada e atenta deste submundo. O diretor Claudio Giovannesi e o roteirista Roberto Saviano estabelecem uma relação orgânica entre a falta de perspectivas e a sedução do crime, mostrando a virilidade dos garotos sendo reforçada pela violência, o alter-ego de grupo permitindo ações que eles não teriam coragem de praticar sozinhos, e a autonomia obtida através do consumo (o carro, os relógios de luxo, os móveis dourados e kitsch para a casa da mãe). O fato de serem apenas crianças é pouco explorado: ao filme, interessa a ânsia dos jovens em se tornarem autônomos, temidos como aqueles que eles próprios temiam.

    Por outro lado, o roteiro se limita a isso: a longa descrição de uma trajetória previsível. Não existe a ambição de criar atritos estéticos pela montagem ou pelos enquadramentos, tampouco de proporcionar distanciamento pelo humor, pelo grotesco, pelo teor crítico. Giovannesi observa estes garotos sem julgá-los, mas também sem buscar compreender de que modo se inserem num contexto sociopolítico mais amplo. O filme não sugere ideias sobre a origem das milícias, sobre suas transformações futuras, ou ainda sua possibilidade de superação. Ele efetua a mera constatação de um cenário. Mas o cineasta não estaria observando estas imagens de modo a criticá-las? Essa possibilidade é contradita pelas ferramentas imersivas de linguagem, destinadas a tornar a violência tão sedutora.

    A dificuldade em se concluir diz muito sobre o discurso do projeto como um todo. Por apenas acompanhar a vida de Nicola, a narrativa poderia terminar muito antes, ou anos depois, sem prejuízo ao conjunto. Isso porque não se encaminha o espectador a um rumo preciso, à conclusão de um raciocínio específico. A trama se suspense de modo abrupto, como se admitisse sua própria derrota: em algum momento, seria preciso desligar os aparelhos. A história se encerra por exaustão, por W.O. Ao mesmo, antes disso, teremos um olhar próximo e detalhado a uma gangue de garotos. O que isso quer dizer sobre o estado do mundo, sobre a juventude perdida ou sobre as novas configurações da criminalidade, ficará por conta dos espectadores mais empáticos.

    Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.

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