Minha conta
    O Chão Sob Meus Pés
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    O Chão Sob Meus Pés

    Burn-out

    por Bruno Carmelo

    Lola (Valerie Pachner) precisa conciliar dois aspectos incompatíveis de sua vida: por um lado, ela é uma conselheira de finanças bem-sucedida, viciada no trabalho e elogiada pela irretocável eficiência. Por outro lado, atravessou uma infância difícil devido aos transtornos mentais da mãe e, no tempo presente, oculta a esquizofrenia da irmã. Lola tem medo não apenas que as outras pessoas descubram seu passado familiar, mas também que uma esfera eventualmente contamine a outra. Ela poderia um dia perder a sanidade? O que a torna tão diferente das mulheres doentias com quem conviveu?

    A obsessão pelo controle (profissional) é muito bem abordada pela diretora Marie Kreutzer como forma simbólica de equilibrar as partes (familiares) que ela não pode controlar. The Ground Beneath My Feet se anuncia como um drama psicológico no qual a protagonista é levada ao extremo: quando a tensão na empresa se torna cada vez maior, e a irmã exige mais atenção, até quando Lola aguentará antes de perder os sentidos? A derrota significaria necessariamente a porta de entrada à patologia mental? Estamos não apenas no terreno da loucura, mas também da paranoia da loucura.

    O roteiro trata de inserir neste coquetel venenoso mais elementos capazes de testar a protagonista, como o machismo sofrido pelos colegas e empresários, a homossexualidade que ela esconde, o relacionamento com uma superiora, a pressão para conquistar uma promoção. O procedimento poderia ser interpretado como sádico: o roteiro basicamente se apropria de uma vida estruturada para vê-la desmoronar, cena após cena, enquanto a pobre personagem tenta inutilmente colar os cacos quebrados e manter as aparências. Felizmente, os elementos mais controversos são abordados com distanciamento e respeito – vide o sexo lésbico e a exposição nada lisonjeira do pênis de um colega de trabalho.

    No papel principal, Pachner carrega um olhar obsessivo e uma postura maquinal – muito diferente do ar cansado de outra workaholic do cinema alemão recente, Ines (Sandra Hüller em Toni Erdmann). A atriz carrega no olhar uma expressão de desespero contido, um desconforto visível por trás do linguajar moderno das empresas e das roupas elegantes do mundo dos negócios. A direção de arte e a fotografia se dedicam à construção de uma psicologia que não é, afinal, muito questionadora: a protagonista ainda é vista como a mulher que não tem quadros em casa porque mal permanece no imóvel, num universo de cores frias e gestos mecânicos a exemplo do treino diário na academia.

    Nossa heroína (ou seria anti-heroína?) possui todos os traços de um novo Psicopata Americano ou Cisne Negro, exceto pelo fato de que Kreutzer caminha o tempo todo sobre uma linha tênue sem jamais concretizar a promessa de caos. Tememos que a mulher enlouqueça, e o roteiro permite seguir por esta interpretação em alguns momentos, para logo após sugerir que foi apenas uma ilusão. A trama se constrói inicialmente na gradação – a promessa de uma tensão crescente até a explosão –, porém não explode. Ao final, teremos todas as nossas certezas e respostas unívocas, muito mais simples do que os fãs dos suspenses psicológicos poderiam antever.

    Isso não significa que The Ground Beneath My Feet não seja uma obra elegante, muito bem pensada na composição de seus planos em scope e seus movimentos de câmera quase invisíveis, acompanhando o deslocamento exato dos corpos e rostos. A inserção de temas caros aos tempos contemporâneos (emancipação feminina, lesbianismo, tratamento de doenças psiquiátricas) opera de modo orgânico, refletido na vida pessoal da protagonista. Mas o resultado pode frustrar aqueles que esperavam pela faísca da condução do conflito até as últimas consequências. O drama faz questão de permanecer dentro limite do bom gosto, das imagens polidas e das sugestões meramente ilustrativas. Caso exista algum horror ou violência, ele se encontrará na cabeça do espectador.

    Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.

    Quer ver mais críticas?

    Comentários

    Back to Top