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    Meio Irmão
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Meio Irmão

    Juventude à margem

    por Bruno Carmelo

    A mãe de Sandra (Natália Molina) desapareceu. Ao invés de chorar e se preocupar, a adolescente logo se adequa à vida sozinha, cuidando da casa, fazendo pequenos furtos para abastecer o armário de comida, tomando banho com baldes quando o chuveiro para de funcionar. Talvez a falta da mãe se transmita no comportamento bruto dentro da escola, onde ataca um colega sem maiores explicações. Ao mesmo tempo, Jorge (Diego Avelino) enfrenta outro problema: testemunhou um crime, filmou a cena, mas não sabe o que fazer com o material. Suas piadas se tornam mais grosseiras com o pai, a atitude fica mais rude no local de trabalho.

    O espectador pode deduzir tanto pelo título quanto pelo protagonismo que Sandra e Jorge são meios-irmãos. A montagem paralela também permite a conclusão, embora o roteiro demore bastante para proporcionar o encontro entre ambos. Enquanto não se unem, eles são transformados em figuras de ação pela diretora Eliane Coster, que pretende captar a crueza dos laços sociais através dos gestos bruscos, do linguajar de baixo calão, dos temperamentos intempestivos. A cidade de São Paulo é vista como ambiente frio e inóspito onde as instituições não funcionam: a polícia não ajuda, a igreja esconde suas hipocrisias nos bastidores, as escolas não exercem grande influência nos jovens, os motéis ocultam câmeras dentro dos quartos, os empregos pagam mal, os pais não aparecem, os políticos não existem.

    Meio Irmão se guia pela lógica de sobrevivência: cada personagem precisa se sustentar sozinho. A descrença na sociedade é tamanha que Sandra e Jorge nada podem fazer diante de seus obstáculos, e o roteiro tampouco pretende fornecer saídas. Existe uma percepção amarga da imobilidade social, ao limite do conformismo: a situação não indica melhorias tão cedo, pelo menos não por iniciativa dos poucos personagens em cena. Ao menos, o roteiro impressiona pelo retrato respeitoso da periferia paulistana, com uma bela construção das casas de classe média-baixa, com as pizzas comidas no jantar, os cômodos decorados com poucos móveis, a permeabilidade entre o círculo de vizinhos, com as pessoas entrando com facilidade nas casas uns dos outros.

    O olhar de cronista traz ao filme discussões interessantes sobre sexo e afetividade entre os jovens, sem julgamentos morais. Mesmo assim, o projeto encontra dificuldades em sua construção estética, que vão desde a composição simples das imagens (com muitos planos de conjunto frontais) à luz que imprime pouco volume às cenas, sem falar na montagem incapaz de imprimir ritmo ao acidente de carro ou na progressão das ameaças contra Jorge. As imagens ostentam o mesmo tom pastel, desbotado, que talvez merecessem maior variedade estética, além de uma ambição mais profunda no uso de metáforas e espaços – havia muitas oportunidades de explorar a casa vazia de Sandra, o ambiente da escola, as câmeras de segurança.

    As tentativas de metáforas, quando aparecem, se revelam um tanto frágeis: a figura do mascarado fantasmático não ganha um desenvolvimento apropriado, a cena de Sandra agindo como prostituta bêbada envereda pelo choque fácil e inverossímil. Muito mais importante do que construir impactos retóricos seria aprofundar a psicologia dos personagens: Sandra perde a mãe, mas não parece sentir muito a falta dela, Jorge oculta sua homossexualidade, mas não demonstra desejo por homens de modo geral, nem uma preocupação particular com as ameaças sofridas. A cena de masturbação diante de um vídeo de agressão homofóbica é particularmente problemática por sugerir que a pulsão sexual do protagonista está direcionada não necessariamente ao melhor amigo, mas à figura do corpo agredido, à violência em si.

    De modo geral, Meio Irmão é prejudicado por questões pouco desenvolvidas pelo roteiro e pela direção, mas transparece uma energia louvável, e uma vontade sincera de representar a juventude sem fetiches, inserindo num mesmo contexto a maconha, os nudes no celular, a malandragem diária, o sexo descompromissado, sem transformar nenhum destes num conflito específico. Coster possui boa visão macro da sociedade do século XXI, além da capacidade de trabalhar com atores pouco experientes de modo cru, obtendo diálogos realistas na maior parte do tempo. Faltava apenas aprofundar os personagens, equilibrar tanta exterioridade com um desenho mais profundo dos sentimentos e desejos desses jovens.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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    Comentários

    • Daiane L.
      Tive a oportunidade de assistir a esse filme no X Festival Internacional de Cinema da Fronteira na cidade de Bagé RS que ocorreu nessa última semana, onde a atriz Natália Molina venceu como melhor atriz pela sua bela e forte atuação. Parabéns 👏 👏👏
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