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    O Termômetro de Galileu
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    O Termômetro de Galileu

    A confusão dos sentidos

    por Bruno Carmelo

    A princípio, os personagens deste documentário são pessoas comuns, que levam vidas perfeitamente ordinárias, como o avô e a avó de qualquer um. Certo, o italiano Tonino de Bernardi é um diretor de cinema, mas a cineasta Teresa Villaverde prefere deixar este aspecto em segundo plano. Para ela, interessa mais o passeio do protagonista à vizinha, de quem compra queijos, suas elucubrações sobre a morte, seu comentário sobre algumas fotos da juventude. Bernardi é visto como um homem comum, recordando sua mãe, seu pai, suas raízes. Ao contrário de tantos documentários que julgam necessário destacar alguma trajetória de exceção, representar alguém que “merece um filme”, esta obra destaca um homem perfeitamente ordinário.

    Em seu elogio ao banal, o filme surpreende pelas escolhas atípicas de direção. Villaverde complica o que poderia ser simples: mesmo em cenas a céu aberto, sobre planícies ensolaradas, a diretora oferece imagens escuras, subexpostas, nas quais os detalhes das paredes são mais visíveis do que as expressões dos personagens. Ao invés de se focar no rosto de quem está falando, a câmera busca a janela, o antebraço de Bernardi, uma garrafa d’água sobre a mesa. Ao invés de mostrar a tensão da família que busca um objeto perdido, prefere descrever em letreiros este momento. Ao invés de se concentrar num objeto por vez, a câmera caseira treme nervosamente, busca um novo interesse e ponto de vista.

    Por um lado, esta abordagem caótica permite uma liberdade impressionante, tanto para a estrutura documental quanto para a necessidade de ser fiel e/ou respeitoso à vida de Bernardi. Com uma duração extensa para um projeto de pequeno porte, Villaverde não para de surpreender o espectador, utilizando novas ferramentas a cada cena. Quando se pensa que já viu de tudo, entram em cena sobreposições de imagens, ambas em movimento, e entrevistas padronizadas dos netos do cineasta – ironicamente, a subversão máxima para um filme tão desapegado das amarras convencionais da linguagem documental. Villaverde solicita um espectador ativo, atento, disposto a ressignificar imagens de modo ininterrupto.

    Por outro lado, a multiplicidade de recursos chama atenção demais para si mesma, de modo a ocultar Bernardi, sua esposa e a história de vida de ambos. Não seria absurdo dizer que o personagem principal é a estética, com destaque para a montagem, criando coreografias rítmicas intricadas e associações improváveis. Em muitos instantes, o protagonista serve apenas para compor belas imagens, atravessar um corredor escuro e chegar ao ponto luminoso no fundo do plano, ou provocar conversas sobre o passado. Em outras palavras, ele se torna um meio, e não uma finalidade; ou ainda um catalisador para aspirações formais preconcebidas.

    Os melhores momentos de O Termômetro de Galileu se encontram nos quinze minutos finais. Quando Villaverde finalmente aborda o cinema enquanto tema na vida do biografado, extrai ótimas colocações sobre a natureza do audiovisual, e conquista alguns instantes preciosos, a exemplo do poema recitado enquanto soam os sinos da igreja. O reconhecimento da metalinguagem gera instantes divertidos e preciosos, em particular a cena final, sugerindo que Villaverde teria um filme ainda mais instigante caso explorasse essa metalinguagem desde o princípio, ou seja, caso investisse no fato de ser uma cineasta filmando outro cineasta. Mesmo assim, o projeto se destaca pela coragem, pelo fluxo inesperado de estímulos. Talvez seja um filme fraco sobre Bernardi, mas é um filme interessante sobre as potencialidades criativas das imagens.

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