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    A Tecnologia Social
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    A Tecnologia Social

    O cinema comentado

    por Bruno Carmelo

    Poucos filmes dedicam tanto tempo a se explicar quanto A Tecnologia Social. Os longos letreiros iniciais afirmam que a equipe pretendia executar um filme sobre a convenção tecnológica Hackathon, porém na impossibilidade de fazê-lo, decidiram acompanhar a brasileira Nathalie Siqueira – uma das inventoras premiadas no evento – pela África do Sul. As cartelas expõem a nota de intenções, antecipam os encontros que ela fará e prometem que, ao final, esta será uma “jornada de transformação” para a jovem. Mais tarde, Nathalie profere um discurso praticamente idêntico: diz que a equipe queria fazer um filme; não tiveram dinheiro, fizeram outro. Ela também repete que a viagem mudou a sua vida. A obra parece embutir num produto só a narrativa propriamente dita, uma entrevista com os criadores, um making of e um release para a imprensa.

    O documentário vai além: revela a presença as câmeras, o boom utilizado para gravar o som, a presença dos entrevistadores, os movimentos bruscos de enquadramento. A metalinguagem serve ao mesmo tempo de sinceridade e ingenuidade, como se a textura amadora das imagens fosse justificada pelo senso de urgência. Passado o tom inicial de reportagem, o filme adentra outras esferas da linguagem, como o vídeo institucional do grupo Gugu Dlamini e em seguida a viagem turística, no instante dos passeios de Nathalie. Em todos esses estilos, encontra-se um didatismo exagerado. “Vocês têm alguma pergunta?”, dispara Mandisa, num apelo que também se dirige ao público. O espectador não tem a oportunidade de interpretar as imagens por conta própria: cada cena é acompanhada de narrações lidas pausadamente, explicações oficiais e outras formas de significação prévia.

    O assunto abordado é de suma importância. A diretora Patricia Innocenti pretende retratar a sororidade em diferentes partes do mundo, debatendo os recursos para o combate ao HIV, a liberdade sexual e identitária feminina, o papel de ONGs em cidades abandonadas pelos governos. Além disso, retrata mulheres soropositivas sem julgamentos de moral – Mandisa Dlamini e Saidy Brown, em particular – que vivem sua condição abertamente, buscando encorajar outras pessoas a superarem o preconceito e combaterem o tabu em torno do HIV e da AIDS. Como sugere o título, o documentário também busca investigar maneiras de aliar as novas tecnologias à disseminação de informação em locais desfavorecidos.

    Pela relevância do tema, é uma pena que o resultado sofra com tamanha fragilidade na execução. Da fotografia superexposta à dificuldade na captação de som, da montagem com blacks abruptos aos estranhos corais religiosos na trilha sonora, passando pela câmera que treme incessantemente sem saber onde se focar, a configuração estética é caótica. Se o enquadramento serve a organizar os estímulos ao redor e conduzir o olhar do espectador, o ponto de vista neste projeto encontra-se totalmente perdido – vide a cena em que a fascinante Mandisa expõe a tragédia vivida por sua mãe, enquanto Nathalie chora e os cantos do lado de fora da casa/museu saturam a banda sonora. O filme nunca sabe para onde olhar, em que se focar, o que transmitir.

    Consequentemente, A Tecnologia Social aprofunda muito pouco as importantes questões mencionadas por suas protagonistas. Saidy Brown é reduzida à posição de jovem soropositiva, sem ganhar voz no projeto. A configuração precisa do aplicativo desenvolvido por Nathalie não é detalhada, não se investiga de que modo o governo poderia agir em nome dessas pessoas, não se questiona nenhuma autoridade fora da única ONG. Em termos de metodologia, o documentário não instiga, não questiona, não aprofunda. Ele observa os problemas alheios na condição de estrangeiro, para depois dar um abraço apertado naqueles cidadãos tão receptivos, embarcar num avião de volta e ter certeza de que a própria vida, pelo menos, nunca mais será a mesma. Os sul-africanos dificilmente poderão ostentar o mesmo otimismo e, caso a tecnologia possa de fato ajudá-los, não é neste projeto que descobriremos como isso pode acontecer.

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