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    Os heróis invisíveis

    por Bruno Carmelo

    Na abertura desta comédia dramática, tanto Bruno (Vincent Cassel) quanto Malik (Reda Kateb) estão correndo, cada um em um bairro diferente, atrás de uma criança autista que fugiu aos cuidadores e perambula pela cidade. Eles empurram pessoas, atravessam ruas e avenidas até finalmente resgatarem os jovens e colocá-los em segurança. Essa dinâmica se repete algumas vezes ao longo de The Specials, drama nos quais crianças com sérios distúrbios psicológicos são utilizadas para reforçar o caráter heroico de homens que aceitam casos rejeitados por todas as clínicas francesas.

    Com poucos filmes na carreira, os diretores Olivier NakacheÉric Toledano desenvolveram um cinema popular de características muito pessoais: por um lado, os diretores possuem ótima percepção de conflitos sociais, transmitidos em diálogos e imagens verossímeis. Por outro lado, a constatação serve a propor um discurso idealizado sobre a superação dos problemas por meio do amor, da amizade e da boa vontade. Em Intocáveis, o abismo que separava um jovem negro da periferia de um milionário branco e tetraplégico era vencido com abraços e piadas. Em Samba, as dores da imigração eram diluídas pelo esforço pessoal e a descoberta do amor romântico. Agora, as dificuldades diante dos casos das crianças são vencidas graças à persistência dos protagonistas que dizem “Eu vou encontrar uma solução” para todo conflito.

    Em The Specials, a dupla de cineastas propõe imagens ágeis, barulhentas, com a câmera na mão acompanhando a correria de cada cuidador, enquanto o telefone toca, alguma criança grita no fundo do quadro, um inspetor exige explicações numa sala etc. Por isso, nossos heróis não têm tempo para se dedicarem às famílias, praticamente ausentes da história, ou ainda aos novos amores – caso de Bruno, tão desenvolto para falar com policiais, porém tímido com as mulheres. Para ajudar o discurso forçosamente conciliatório, Bruno é judeu e Malik é muçulmano, de modo que o trabalho conjunto representa uma superação de antagonismos religiosos, além de étnicos, de gênero e de classe social. Em paralelo aos desafios diários da organização, os personagens enfrentam as leis do sistema, que pretende fechar a clínica “A Voz dos Justos” devido à falta do alvará de funcionamento.

    O projeto tende a equivaler as dificuldades das crianças autistas com as vidas duras dos cuidadores da periferia recrutados para ajudá-las. A percepção de que “todos têm problemas” resulta no ímpeto incontrolável de reuni-los e propor que se salvem uns aos outros. A superação dos desafios nunca passa por transformações da estrutura ou cobranças governamentais: o mais importante é o esforço individual. Enquanto valoriza moralmente os homens imbatíveis, este ponto de vista despreza, por consequência, todos aqueles familiares e cuidadores que não conseguiram lidar com as crianças - uma vez que, segundo esta lógica, eles não teriam tentado o bastante. A redução de problemas macroestruturais a uma questão de caráter corre o risco de parecer arrogante e punitiva.

    Mesmo assim, The Specials sabe muito bem quando introduzir momentos de humor para aliviar a tensão, ou quando brincar com as falhas dos protagonistas para torná-los mais acessíveis ao público. A narrativa se desenvolve de modo leve, despretensioso, diluindo o peso de seu discurso salvacionista. Vincent Cassel e Reda Kateb são dois ótimos atores, muito acostumados à interpretação naturalista, e se revelam escolhas ideais para os personagens principais. Hélène Vincent também protagoniza alguns momentos comoventes, mas enfim, como não se emocionar com adultos gentis se sacrificando para salvar crianças em perigo?

    Pela aparência da malandragem e de despojamento juvenil, o filme apoia incondicionalmente as organizações não-governamentais que agem em nome dos desafortunados. Para quem não tiver entendido a clara mensagem em prol destas figuras, os letreiros finais tratam de explicitá-la - faltava apenas deixar um número de telefone e pedir a doação do público. Com este novo projeto, Toledano e Nakache tratam mais uma vez de educar o público médio, que supõem pouco perspicaz, além de reiterar a importância da persistência e do amor acima de tudo.

    Filme visto no 72º Festival Internacional de Cinema de Cannes, em maio de 2019.

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