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    Onde Está Você, João Gilberto?
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Onde Está Você, João Gilberto?

    A presença da ausência

    por Taiani Mendes

    João Gilberto, músico que revolucionou a música brasileira em 1958 tocando "Chega de Saudade", gera muita... saudade. Recluso há anos, o “pai” da Bossa Nova é praticamente um ser fantástico, tema de inúmeras lendas. Dizem que ama dar telefonemas, que come sempre o mesmo prato, que não recebe nem os familiares, que está falido e debilitado, que toca violão dia e noite, que sai e ninguém vê. Ultimamente voltou a ser notícia por desacordos envolvendo os filhos e sua interdição.

    Onde Está Você, João Gilberto?, no entanto, não lida com pormenores mundanos acerca do compositor. O João Gilberto do filme de Georges Gachot é o do canto baixo, violão na perna e repertório de clássicos, aquela imagem atemporal eternizada no imaginário popular. É o ídolo do diretor e de Marc Fischer, alemão que desembarcou no Rio de Janeiro em 2010 com um objetivo na mente e um sonho no coração: encontrar o artista e pedir uma apresentação exclusiva da canção "Hô-bá-lá-lá". O autor transformou a aventura em romance policial e Gachot cinematograficamente realiza uma investigação da investigação, encontrando os entrevistados por Fischer e visitando locais em que ele esteve, guiado pelo texto do livro HO-BA-LA-LÁ - À Procura de João Gilberto e suas pesquisas documentadas em áudio, foto e vídeo.

    Hoje muito mais valorizada e lembrada no exterior do que no Brasil, não é surpreendente que a Bossa Nova receba tão sensível homenagem a partir da determinação de dois europeus - um deles apresentado à ela por um japonês. São várias as línguas ouvidas em Onde Está Você, João Gilberto?, todas se entendendo em torno de músicas em português, unidas por isso e pela procura; e o olhar estrangeiro é intrínseco à obra, concentrada na zona sul carioca, epicentro do gênero que tem como outros expoentes Tom JobimVinicius de Moraes e menina dos olhos dos turistas.

    João Gilberto está sempre presente, ainda que jamais fisicamente, mas o filme é principalmente sobre Marc, para Marc, sobre Georges, sobre desejar e recordar, admirar. Assumindo o personagem Sherlock Holmes encarnado por Fischer, Gachot recruta a mesma Watson do alemão como fiel escudeira e dedica-se quase que compulsivamente a refazer a jornada do escritor, ao mesmo tempo buscando informações adicionais e evocando a lembrança de Marc naqueles que ele conheceu.

    Considerando os contatos do diretor, dono de filmografia dedicada à música brasileira, e a quantidade de pessoas que eventualmente foram próximas de João Gilberto, é de se deduzir que o número de entrevistados poderia ser maior. Porém, por outro lado, o número limitado permite que certa intimidade seja alcançada e registrada, e nesse sentido é especialmente marcante a grande participação de Miúcha, ex-mulher de João. Além dela aparecem João DonatoMarcos Valle e Roberto Menescal, e rende a iniciativa de colocá-los para ler os trechos em que são mencionados na publicação de Marc, como uma forma curiosa de clube do livro.

    É fácil se perder buscando alguma coisa, mas Georges Gachot, apesar de quase se aproximar disso como protagonista, nunca se desorienta como cineasta. Inúmeros registros de anônimos nas janelas, portas fechadas, fotografia amarelada/avermelhada no nostálgico Rio de Janeiro onde João não sai de casa, azulada na Diamantina (MG) onde ele fazia serenatas ao luar na juventude e planos bem compostos em locações ordinárias como restaurantes e carros constituem um longa-metragem bonito não apenas visualmente, como também em termos sentimentais.

    Onde Está Você, João Gilberto? é 50% elegia, 50% celebração; documentário que não esconde o roteiro; fantástico e verossímil. Fala-se em maldição, admira-se a natureza e todas as polarizações fazem total sentido numa procura em que o alvo está tão perto e ao mesmo tempo tão inacessível. O sumiço de João Gilberto – aparentemente hereditário, pois Bebel Gilberto é outra "faltante participante" – e os mistérios que o envolvem mexem com o racional, a história de Marc Fischer toca o emocional, e Georges Gachot não poderia ter sido mais feliz na sequência final.

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