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    Rosas Selvagens
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Rosas Selvagens

    As obrigações de uma esposa

    por Bruno Carmelo

    Desde a primeira cena, o espectador percebe que há algo errado com Ewa (Marta Nieradkiewicz). Ela está sentada no corredor de um hospital, embora não se saiba o motivo. Depois, na volta para casa, o ônibus quebra, e desvia um acidente na estrada. Quando revê os filhos, não existe nenhum gesto de carinho. Mais tarde, olha estranhamente para um grupo de jovens jogando futebol. O drama se constrói com um clima de suspense, ocultando voluntariamente o contexto em que se encontra a protagonista, para revelá-lo aos poucos, detalhe por detalhe.

    Gradativamente, Ewa deixa de ser apenas uma mulher taciturna para se transformar em mãe, esposa, figura conhecida do pequeno vilarejo onde mora e trabalhadora de um campo de rosas, contra a vontade do marido Andrzej (Michal Zurawski). Este campo de rosas representa tudo o que não se espera de uma “mulher de respeito”: uma pausa para o trabalho doméstico, um tempo passado fora da igreja, e uma ambição de independência financeira em relação ao esposo que passa a maior parte do tempo viajando. Na ausência de Michal, Ewa tem sua rotina e sua sexualidade devidamente fiscalizadas pelos vizinhos.  As pessoas falam até demais, e um desses rumores torna-se uma bomba relógio, a saber, o motivo real da internação hospitalar de Ewa, período em que teria ficado longe dos filhos.

    A diretora Anna Jadowska possui um talento impressionante para a composição imagética. Trabalhando com enquadramentos em scope e uma câmera discretamente móvel, ela compõe uma série de planos deslumbrantes, sabendo explorar tanto as estradas e campos floridos quanto a casa vazia e caótica onde vive a família. O formato retangular da imagem permite inserir Ewa em espaços vazios, representando sua solidão e a amargura com a vida doméstica. Ao mesmo tempo, os momentos de encontro com os vizinhos, a exemplo das fotos de família ou dos jantares de comemoração, simbolizam a hipocrisia em que vive a personagem: ela é obrigada a sorrir e se mostrar solícita, mesmo que esteja claramente descontente.

    Embora Rosas Selvagens seja muito eficaz no retrato das pressões da família patriarcal, ele se arrisca por um caminho controverso quando a protagonista é castigada por sua liberdade - punida pelo destino, digamos, e não pela sociedade. Quando ela finalmente se entrega ao desejo sexual por um adolescente, no meio do campo de flores onde ganha seu dinheiro de modo independente, uma potencial tragédia acontece em sua vida. O roteiro faz o possível para empoderá-la após o caso, mas não deixa de incomodar a ameaça de puni-la em seu papel de mãe por viver sua sexualidade livremente - um recurso não muito diferente daquele de Anticristo, de Lars von Trier, no qual uma mulher era castigada por fazer sexo ao invés de cuidar de seu bebê.

    Beneficiado por uma atuação excepcional de Marta Nieradkiewicz, combinando força e fragilidade, o filme escapa às interpretações fáceis: a jornada desta mulher pode ser considerada ao mesmo tempo libertadora ou penitente, dependendo do ponto de vista. O final, ainda que potente, possibilita mais de uma leitura. Entre otimismo e pessimismo, entre fatalismo ou superação, o projeto é prejudicado pela amplitude excessiva do discurso. A denúncia contra as regras sociais é clara, mas resta saber exatamente de que maneira elas afetam a nossa heroína. Com suas imagens belíssimas e personagens complexos, o roteiro prefere criar bifurcações a acompanhar Ewa por um caminho preciso até o fim de sua jornada.

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