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    Yomeddine - Em Busca de um Lar
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Yomeddine - Em Busca de um Lar

    A boa vida dura

    por Bruno Carmelo

    É difícil não nutrir uma simpatia imediata por este projeto. Filme de diretor estreante, Yomeddine volta sua atenção a uma parte pouco conhecida do Egito, destacando habitantes paupérrimos de cidades pequenas. Os protagonistas são Beshay (Rady Gamal), um catador de lixo leproso, viúvo e abandonado pela família na infância, e Obama (Ahmed Abdelhafiz), um garoto órfão transferido para uma nova instituição contra a sua vontade. Além da pobreza extrema e da segregação devido à doença, eles sofrem com a dor de terem perdido contato com familiares.

    O cineasta Abu Bakr Shawky apresenta marginais por quem é fácil torcer, até pelo fato de manterem o sorriso no rosto e lançarem frases de solidariedade um para o outro. Mesmo assim, o roteiro encontra incômodas maneiras de retirar os poucos recursos de que dispõem, introduzindo ladrões, mortes e outros empecilhos no caminho da dupla. Quando Beshay decide partir com o amigo em busca de sua família, o drama envereda pelo road movie de superação de obstáculos através do amor ao próximo.

    Assim, o projeto pretende mostrar que a dificuldade nada mais é do que uma incrível oportunidade de mudanças. O otimismo da narrativa é conduzido através de música constante, travessias ao pôr do sol, trapalhadas e perigos incontornáveis – mas que são contornados na cena seguinte. O ideal que “tudo pode ser, só basta acreditar” incomoda por sugerir que os deficientes e excluídos têm a mesma oportunidade de realização social que quaisquer outros, contanto que tentem realmente. De acordo com esta lógica, a exclusão ocorreria por não terem tentado o suficiente, o que culpabiliza estas pessoas pela situação em que se encontram.

    Mesmo sem ser um projeto religioso – aliás, as diferenças entre cristianismo e islamismo são tratadas com naturalidade e respeito – Yomeddine não deixa de soar como um projeto de moral religiosa, pela crença de que o sofrimento enobrece o homem. Por isso, pobres e deficientes são vistos como pessoas mais puras, ingênuas (eles confundem um riacho com o Nilo, uma pequena construção com as Pirâmides), algo que constitui um preconceito travestido de benevolência, por impedir que se considere o outro de maneira igualitária. Neste filme, Bashed e Obama são interessantes e amáveis por serem diferentes, sendo definidos por suas doenças ou motivos de exclusão.

    Estes problemas do discurso são atenuados pela boa atuação da dupla central, inexperiente nas artes dramáticas, mas bastante espontânea nas imagens. A câmera na mão confere um realismo competente ao projeto, mas a cada boa interação entre os personagens, um momento “mágico” (os pesadelos, os flashbacks em tom kitsch) volta a lembrar que a preocupação do diretor se encontra na leveza, e não na verossimilhança. Para o filme, é mais importante trazer didáticas mensagens de aceitação (“Somos julgados pela nossa aparência, e não existe remédio para isso!”, proclama um colega deficiente) do que deixar o espectador tecer esta evidente leitura por conta própria.

    Pelo caráter feel good movie, pelo exotismo de cenários e personagens, pela mensagem de amizade e pela defesa de uma família além de laços biológicos, o projeto tende a agradar um público amplo – dentro do evidente circuito a que se destinaria um drama americano-egípcio. É uma pena que, para transmitir tamanha leveza e afeto, Abu Bakr Shawky tenha sacrificado especificidades sociais e psicológicas importantes, reduzindo seus protagonistas a exemplos de boa vontade e superação.

    Filme visto no 71º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2018.

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