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    A Valsa de Waldheim
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    A Valsa de Waldheim

    Ele não

    por Taiani Mendes

    Secretário-geral da ONU entre 1972 e 1981, Kurt Waldheim tinha suas mãos de Nosferatu já tocando a presidência da República da Áustria quando a descoberta de arquivos da Segunda Guerra Mundial colocou em dúvida sua alardeada hombridade. Fichas, fotos e relatórios mostravam que ele foi um importante oficial da SA nazista por anos, com participação em crimes de guerra na Grécia e na Iugoslávia, apesar de, em sua autobiografia, alegar ter servido apenas por um breve período. O documentário de Ruth Beckermann monta, a partir de imagens de arquivo, a derrocada internacional do político nas semanas que antecederam as eleições nacionais, construindo uma análise de discursos e comportamentos que desnuda não apenas Waldheim, mas toda uma geração austríaca, e guarda muitas semelhanças com o que acontece no Brasil atualmente.

    Com campanha baseada em sua imagem de homem de família, cristão, autoridade moral e ética, empenhado em unir o país, o ex-militar, líder de intenções de voto, se diz vítima de uma campanha de difamação quando omissões de sua história vêm à tona. Mentindo e se desmentindo compulsivamente, ele vê o caso repercutir internacionalmente, enquanto dentro de "casa" a população se divide entre os que protestam de diversas formas contra a preservação de sua candidatura e os defensores, que, encorajados pela impunidade e sentindo-se representados, passam a escancarar discriminações.

    Beckermann fazia parte de um grupo organizado de oposição a Waldheim e narra o documentário, composto por alguns de seus registros audiovisuais. O "grosso" do filme, no entanto, são realmente entrevistas, depoimentos, programas de TV e reportagens, o que provoca o silêncio de Ruth por excessivo tempo para um relato em primeira pessoa e deixa os bastidores da militância isolados estruturalmente, despercebidos no oceano de discursos do protagonista e dispensáveis no roteiro "contagem regressiva", que investe na escalada da tensão e da pressão conforme a definição da corrida presidencial se aproxima.

    Quando a situação ganha ares de murro em ponta de faca, com os judeus estadunidenses embasados no desmascaramento e Kurt cada vez mais sem credibilidade, mas ainda negando e usando até o filho como defensor, o filme encontra uma interessante reflexão sobre as reações moderadas às denúncias nacionalmente, teorizando sobre como Waldheim representa uma Áustria vitimista extremamente mal resolvida quando o assunto é Segunda Guerra Mundial. Para que a história não seja esquecida e erros repetidos, num ciclo de horror sem fim, a cineasta entrega essa "carta" ao público justamente no ano do centenário de seu personagem principal.

    O ativismo que não deu sossego a Kurt Waldheim durante sua campanha na pátria-mãe infelizmente é pouco mostrado, porém gera a reflexão mais forte de A Valsa de Waldheim, sobre determinação, a certeza de estar fazendo o certo e a alegria de encontrar parceiros de luta. Não fosse isso, certamente Ruth não teria feito esse dossiê, que, mesmo deixando a desejar historicamente por sua economia no relato das consequências da eleição, funciona como alerta atemporal e global. O mundo é pequeno e certos homens também, especialmente os de memória fraca.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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