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    Jane Fonda em Cinco Atos
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Jane Fonda em Cinco Atos

    Uma mulher contra o sistema

    por Bruno Carmelo

    A certa altura deste documentário, Jane Fonda afirma: “Eram sempre os homens que me definiam”. De fato, a carreira da atriz, ativista e modelo foi intimamente ligada às figuras masculinas ao redor: ela se tornou famosa por ser filha do grande ator Henry Fonda, conseguiu seus primeiros papéis “sérios” devido ao casamento com Roger Vadim, conquistou respeito entre os círculos militantes com a ajuda do segundo marido, o intelectual Tom Hayden. Por mais fortes que fossem a sua voz e o seu talento, Jane Fonda ainda era reduzida à condição de esposa ou filha, como se isso diminuísse o mérito de seu trabalho. Este é o ângulo original adotado pela diretora Susan Lacy, que decide abordar não apenas a vida de Jane Fonda, mas a trajetória em busca de autonomia.

    Este percurso se torna possível graças à surpreendente entrega da protagonista, que além de possuir uma história digna das biografias espetaculares de Hollywood, discute cada acontecimento com um distanciamento ímpar. Ao longo de uma série de entrevistas recentes e antigas, a protagonista comenta sem meias palavras os seus acertos e seus erros, inserindo-os no panorama social de cada geração atravessada. Jane Fonda em Cinco Atos torna-se muito mais relevante por não se limitar à atriz, tampouco aos fatos: o filme adentra a psicologia e a sociologia de uma época. Falar de Jane Fonda implica falar de Richard Nixon, a Guerra no Vietnã, o nascimento da indústria do home video, os Panteras Negras, a maneira como Hollywood trata as mulheres mais velhas, o impacto do estrelato etc.

    A estrutura se revela mais rica do que aparenta: partindo da articulação tradicional de entrevistas e material de arquivo, o projeto toma a liberdade de fazer idas e vindas no tempo quando necessário, além de propor associações metafóricas ao invés de puramente referenciais – ou seja, o som nem sempre repete o conteúdo da imagem. A separação em cinco atos é sugerida pela própria atriz, que afirma estar entrando no “último ato da sua vida”, o que supõe a existência de atos anteriores. A divisão dos capítulos com nomes de homens, até chegar ao momento em que Fonda define a si mesma, ilustra de maneira poética o empoderamento desta mulher em constante transformação. Por retratar uma pessoa de grande notoriedade, o filme dispõe de farto material de arquivo, editado e orquestrado com precisão. As mais de duas horas de duração ganham ótimo ritmo nas mãos do editor Benjamim Gray.

    Jane Fonda em Cinco Atos termina por privilegiar a atitude contestadora de Jane Fonda, mesmo dentro de uma indústria tão padronizada quanto a americana. Ela correspondeu, sem dúvida, à figura da musa ingênua ou puramente sedutora, como convinha à época, porém jamais se envergonha de seu passado. A atriz admite alguns arrependimentos e muitos orgulhos, como se estas passagens tivessem sido necessárias para ela se tornar quem é hoje. O filme adota um viés brutalmente honesto ao mencionar feridas íntimas na vida de Fonda – a negligência do pai, o suicídio da mãe –, sua vida sexual e mesmo as cirurgias plásticas para manter uma aparência mais jovem. Estas reflexões são articuladas sem lágrimas nem euforia: a biografada se assemelha a uma estudiosa de seu próprio trajeto.

    Lacy demonstra a capacidade de retratar grandes celebridades para além dos fatos marcantes de suas vidas, evitando a listagem Wikipédia de causas e consequências, antes e depois. A cineasta estabelece conexões entre a infância e a vida adulta, entre os papéis no cinema e a postura política fora das telas, entre as angústias familiares e amorosas e os efeitos das mesmas no estilo da atuação. O filme demonstra profunda ambição de compreender Jane Fonda, ao invés de simplesmente contá-la ou resumi-la, fazendo dela uma porta de entrada para estudar os Estados Unidos do século XX e a evolução do feminismo.

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