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    Midnight Family
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Midnight Family

    Trabalho sujo

    por Barbara Demerov

    Pensar que existem somente 45 ambulâncias numa cidade com mais de 9 milhões de habitantes pode parecer loucura, mas este é o caso da Cidade do México. O diretor Luke Lorentzen utiliza como objeto de observação para tal cenário aflitivo a família Ochoa, dona de uma das muitas ambulâncias privadas que procuram fazer o trabalho que seu próprio governo não executa. 

    O tom observativo do filme deixa-o ser muitas coisas: a história real de uma família que, como qualquer outra, quer viver com o mínimo de dignidade, a representação de um problema em larga escala que afeta a muitos que têm o direito de saúde básica e a seriedade que os homens Ochoa possuem ao exercer uma profissão já sabendo que poderão não receber nada por isso.

    Dado o modo que o diretor registra sua história, é inevitável nos colocarmos na pele daquela família mesmo que não saibamos de fato como é trabalhar no setor da saúde - ainda mais de maneira extra-oficial, com direito a subornos e empecilhos determinados pela polícia. Apesar de vermos que eles não se omitem a seguir regras impostas pelos policiais, também é possível notar que eles se importam e sabem que fazem a diferença.

    Como o título bem implica, Midnight Family mergulha noite adentro na cidade e exibe casos dos mais diversos: um pai sob o efeito de drogas que quase deixa seu filho morrer, uma mãe aflita com sua filha na ambulância, uma garota que apanhou de seu noivo... Todas essas situações são expostas com o foco no olhar e nas atitudes dos homens da família, demonstrando não só respeito às vítimas como o senso de humanidade e preocupação que eles possuem para com todos. E, se os Ochoa pedem por seu pagamento após os serviços, não é porque eles não se importam: no fim do dia, este também é um trabalho como qualquer outro. Tal atitude não determina uma falta de compaixão ou egoísmo - afinal, eles acabam por fazer algo que, num mundo justo, talvez não seria seu meio de vida.

    É interessante também ver como a ambulância é uma espécie de lar para aquela família, composta em sua maior parte do tempo por um pai e seus dois filhos, sendo que o mais velho atua como o verdadeiro "chefe de família" e o mais novo praticamente não sai do veículo e observa tudo, assim como nós. A dinâmica familiar, de certa forma, fica como plano de fundo diante da complexidade do papel que cada um exerce, mas é bem trabalhada a fim de nos entregar uma sensação de afinidade. A única questão que não se segura dentro do todo é que existe uma filha na família, mas ela não aparece em mais de uma cena - e o único momento em que ela fala é para pedir dinheiro. Além disso, a namorada do filho mais velho nunca é ouvida: só ouvimos, pelo telefone, os depoimentos do lado do jovem sobre alguns casos.

    No mais, as poucas cenas filmadas fora dos acidentes ou da ambulância são capazes de dar um tom ficcional que cria uma camada a mais para os Ochoa. O fato do filho mais novo não querer ir ao colégio e permanecer nas corridas da madrugada pode incomodar, mas ao mesmo tempo é o elo que o diretor faz para que o desfecho de seu filme seja um tanto quanto leve, uma vez que as cenas de resgate são extremamente incômodas (apesar de nunca de forma gráfica). Midnight Family traz uma sensibilidade marcante dentro de um contexto bárbaro.

    Filme visto no 8º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, em junho de 2019.

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