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    Os Fracos
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Os Fracos

    Homens em ruínas

    por Bruno Carmelo

    O espectador pode demorar um tempo considerável para compreender quem são os personagens deste filme, onde se encontram, o que desejam. Durante a maior parte da narrativa, vemos homens silenciosos se movendo por paisagens amplas e vazias a bordo de caminhões, motocicletas, bicicletas. Eles perambulam por um lugar pobre, através de gigantescas construções em ruínas, galpões abandonados, pequenos comércios cinzentos e empoeirados à beira da estrada. Como empunham armas – tanto os adultos quanto as crianças – imaginamos que tenham assuntos sérios a tratar. Ou talvez nem tanto: mesmo os meninos brincam de luta com revólveres reais.

    Aos poucos, compreendemos que este cenário pós-apocalíptico equivale ao México contemporâneo, na fronteira entre as cidades grandes e o ambiente rural. O imaginário das gangues, abordado frequentemente pelo caráter sanguinário e brutal, adquire desta vez um viés alegórico: as agressões chegam aos ouvidos do herói taciturno pelas rádios, pelas conversas em bares. Dizem por aí que pessoas são sequestradas o tempo inteiro, e que gangues sinistras se escondem pelos casebres e ilhas. Mas a violência em si permanece ausente das imagens. O espectador se encontra na antessala do conflito: Victor (José Luis Lizárraga), nosso protagonista armado, procura os responsáveis pela morte de seus cães, estando disposto a enfrentar um exército se necessário.

    Mas Os Fracos tem outros planos em mente, no caso, um acerto simbólico. É impressionante o modo com os diretores Raúl RicoEduardo Giralt Brun utilizam os planos fixos, nos quais diferentes camadas de imagem transmitem duas ou três informações simultâneas ao público: enquanto vemos Victor em primeiro plano, percebemos as crianças brincando com armas logo atrás, e a pilha de carros velhos ao fundo. Este universo desolador é tratado com excepcional senso de detalhes: a fotografia e a direção de arte criam um ambiente palpável, um realismo irretocável nas cores, nos objetos, nas locações. A degradação dos objetos e prédios espelha aquela dos humanos – o mesmo valendo para o sentimento de abandono e de inconsequência. Aqui, é cada um por si, de modo que o justiceiro tímido se prepara para o combate sem real senso de perigo. Afinal, ele não tem nada a perder.

    De modo microscópico, a fábula constrói sua narrativa através de símbolos como o tatuador com os cães, a rica equipe de futebol, a bandeira de um político sorridente sugerindo descrença nas instituições. A ação ocorre fora de quadro, representada por fragmentos e sons: enquanto se limpa o sangue, vemos a traseira de uma caminhonete, enquanto cadáveres de animais são transportados, presenciamos o chão de terra. Os cineastas trocam o choque pela melancolia, pela impressão de inevitabilidade: sabemos que não existe real possibilidade de esta trama terminar bem. Os Fracos – belíssimo título, aliás – atualiza os subgêneros do faroeste, do road movie, o policial, para uma realidade próxima da fantasia.

    É impressionante como, em míseros 65 minutos, o projeto se resolve tão bem, muito consciente de suas possibilidades limitadas de produção, do alcance de seu discurso e de sua narrativa. O filme se adequa aos recursos que possui em mãos, incluindo um ator enigmático, com olhar fortíssimo compensando a mudez, uma geografia tão rica quanto lacônica, uma meia dúzia de personagens representando uma questão social muito mais ampla. Quando o prometido embate enfim surge, ele surpreende por completo: os diretores encontram uma maneira poética de lidar com a violência, privilegiando o silêncio ao sangue. Cabe ao espectador imaginar o que se esconde naquele corte bruto, naquela cena suspensa como um grito preso na garganta.

    Filme visto no 13º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, em julho de 2018.

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