Quando falamos em adaptações de livros para o cinema sempre surge àquela dúvida, às vezes até certa angústia. Esse sentimento é redobrado quando falamos de histórias tão complexas e genuinamente simples como as da Rainha do Crime. Muitas dessas histórias cumpriram o seu papel no cinema de forma satisfatória. Mas o cinema moderno necessita de novas adaptações das engenhosas tramas de Agatha Christie. É nesse contexto que Kenneth Branagh assumiu o difícil desafio.
Pois bem, iniciado em ‘Assassinato no expresso oriente’, o novo ‘Agathaverso’ surpreendeu com nomes de peso no elenco, boas atuações e bom ritmo. Claro que isso precisava ser continuado. O grande destaque de hoje são as continuações, ninguém gostaria de ver um novo estilo de Poirot quando Branagh conseguiu imprimir uma personalidade única e fiel ao personagem. O fato de o ator ser mais novo que Hercule também o possibilita viver situações diferenciadas em que podemos ver o detetive. Além disso, ele não só faz muito bem o belga como dirige de maneira genuína os dois longas.
Claro que nem tudo são flores e um roteiro de suspense que não gira em torno da ação pode parecer arrastado, no entanto o livro original demora a iniciar e isso é uma característica da Rainha do crime, Poirot vive situações inusitadas, engraçadas, e isso que dá brilho ao charmoso bigodudo. Todavia, um bom leitor de mistério sabe que esses momentos são fundamentais a trama.
Em ‘Morte no Nilo’ temos uma nova versão do suspense, algumas mudanças são feitas nos personagens e na trama, nada que influencie os pontos chave da obra original, aliás, acredito que algumas alterações chegam a melhorar o mistério. Isso porque tudo acontece de forma quase que aleatória para que aqueles personagens estejam no mesmo navio, Branagh resolve isso de forma simples, estão todos ali por causa do casamento de Linnet Doyle. A ricaça chama a atenção do início ao fim, Gal Gadot é a representação perfeita de Linnet. Em contraste, a família Otterbourn tem a origem modificada para músicos, o que casa bem melhor com a matriarca alcóolatra do original. Marie Van Schuyler cai bem melhor de comunista reclamona do que o inexistente no filme Mr. Ferguson, e ainda sua relação com a enfermeira Bowers é explicada por um romance surpreendente. Cornelia se torna desnecessária. Por fim, Coronel Race não existe e em seu lugar temos novamente Bouc que gera uma boa continuidade do primeiro longa. O enredo que envolve o coronel é abafado, originalmente ele procura um assassino que nos confunde a todo o momento na leitura, mas a verdade é que essa parte sempre foi desnecessária e o diretor entende isso, daí então acrescenta um caso amoroso entre Bouc e Rosalie que faz o mesmo papel da mãe e filho, os Allerton, que viajam juntos ao Egito e nada tem haver com os personagens centrais da história.
As mudanças deixaram a obra mais coesa e objetiva, de forma que mantêm os pontos chave para o mistério. É preciso entender que a adaptação tem que dar ao espectador as mesmas sensações que sente aquele que lê o livro, mas no cinema, e para isso nem sempre será possível manter-se fiel a cada linha das 288 páginas de ‘Morte no Nilo’.
Branagh acertou nessa continuação e abriu caminho para desenvolver muito mais Poirot e o universo de Agatha Christie, enquanto leitor assíduo confesso que me surpreendi, dei muitas risadas e estou ansioso para mais!
Leandro Marques