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    Longa Jornada Noite Adentro
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Longa Jornada Noite Adentro

    Decoração de cena

    por Bruno Carmelo

    Este texto poderia discutir as principais passagens da trama – um homem que retorna à cidade onde vivia, em busca da mulher que ama – mas o esforço resultaria um tanto inútil. Luo (Huang Jue) seria, oficialmente, o personagem principal desta história, mas a verdadeira estrela de A Long Day’s Journey Into Night é a estética do diretor Bi Gan. O projeto pretende oferecer um deleite estético, no qual personagens servem acima de tudo para rechear enquadramentos e justificar a produção de novas imagens.

    Vamos à estética, então: o cineasta gosta de criar enquadramentos com diversos planos dentro do plano, ou seja, algo acontecendo em primeiro plano, enquanto outra atividade se desenvolve ao fundo. Às vezes, essa divisão ocorre entre direita e esquerda da composição, em scope. É frequente descobrirmos os personagens através de um vidro sujo, ou através da chuva. Eles caminham devagar, param, contemplam o horizonte. Pelo profundo estetismo, pelos retratos do amor romântico e pelo uso de luzes neon para ressaltar uma beleza assumidamente artificial dos espaços e personagens, Bi Gan se assemelha à abordagem de Wong Kar-wai, cineasta venerado por alguns críticos e rejeitado por outros (franceses, em particular) que o acusam de fazer um “cinema de cabaré”.

    Aqui, talvez a noção de cabaré não se aplique, porém o desejo de sensualidade está presente. As imagens são quase inteiramente sobrepostas a uma narração não referente (ou seja, que não diz o que está acontecendo nas imagens), em tom lento, sussurrado. No início de cada plano, a câmera desliza vagarosamente pelas paredes e objetos antes de encontrar o corpo de seu personagem. Estamos numa dinâmica da sedução pela fluidez e pelo encantamento lânguido, próximo do sonho – ou então do labirinto, como cita um personagem. Pouco importa onde vamos chegar, na verdade: o prazer encontra em se perder.

    Os recursos podem parecer saturados, porém Bi Gan encontra espaço para um longo segmento em plano-sequência, e 3D. Os espectadores colocam seus óculos e descobrem uma última viagem do personagem, passeando por cenários de uma quermesse, uma prisão abandonada, um teleférico. Tecnicamente, o recurso impressiona por sua destreza, pela coreografia dos personagens que sobem e descem escadas, entram e saem de cômodos, e até voam. Afinal, estes apaixonados sonhadores pensam em fugir e morar “nas estrelas”, como dizem, mesmo que não sejam as pessoas que buscavam no início da narrativa.

    “O que me dá medo não é a chuva, e sim viver no passado”, afirma uma protagonista, num diálogo exemplar do filme. Estamos num território assumidamente confuso, jogando uma infinidade de símbolos que podem, ou não, significar algo ao longo da história: um caderno verde, o mel, os cabelos vermelhos, uma maçã, o ás de espada do baralho, a menção a um Gato (um mafioso morto) etc. São pistas fornecidas, todas elas recorrentes, convidando o espectador a desvendar o mistério sobre a origem e configuração das cenas. O filme solicita o nosso engajamento, mas não promete nada em troca, a não ser o devaneio das imagens.

    Long Day’s Journey Into Night despertou aplausos acalorados, mas também levou diversos espectadores a saírem no meio da sessão, como se espera de toda forma extrema de cinema. Caso o espectador embarque na trajetória do cineasta e na construção das imagens, o efeito será o desbunde de mais de duas horas de duração. Caso prefira a adequação da forma ao conteúdo ao invés da arte pela arte, o resultado será a perturbadora sensação de um cinema decorativo, uma brilhosa embalagem de pouco conteúdo.

    Filme visto no 71º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2018.

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    Comentários

    • Isabelle
      Crítica impecável. Por maior que tenha sido a busca pela beleza e até a sua concretização, o resultado foi uma sensação de tédio, desinteresse e impaciência.
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