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    Meu Anjo
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Meu Anjo

    Tal mãe, tal filha

    por Taiani Mendes

    Marion Cotillard é uma atriz imbatível quando inspirada ou bem dirigida, capaz de tornar filmes icônicos somente por sua performance, vide Piaf - Um Hino ao Amor. Mesmo longe de seus melhores momentos ela se destaca - aquela cena de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge que o diga -, mas às vezes nada dá certo, nem tão bizarramente errado, e o resultado é só mais um título na filmografia, um potencial desperdiçado, afinal a francesa costuma escolher personagens que têm o que dizer. Meu Anjo é um desses casos. No papel a obra de Vanessa Filho é estimulante: uma mulher festeira, constantemente inebriada e relapsa na criação da filha, que certa noite manda a criança sozinha de volta para casa e desaparece sem dar notícias. Na tela, no entanto, a trama é apresentada cheia de furos e indícios forçados de que tudo foi construído como encaminhamento para a sequência final, que surge como objetivo, não consequência.

    Em interpretação entorpecida além da conta, Marion defende uma Marlène de comportamento errático e personalidade ilegível, que quase nunca age como responsável por uma criança. Inconsequente e carente, ela passa a ser espelhada pela filha, que até então dela “cuidava” com zelo maternal, quando sai de cena. O que de início aparentava ser um estudo de relacionamento danoso, transforma-se num retrato determinista em que a pequena Elli (Ayline Aksoy-Etaix, fraca) abandona a sagacidade que indicava ter em prol de bebedeiras e da perseguição do afeto do ex-mergulhador Julio (Alban Lenoir), como ela ignorado pelo progenitor, e ao mesmo tempo um possível ocupante do papel de pai que sempre esteve vazio em sua vida.

    Elli é a filha que se comporta como mãe, depois a substitui (em atos e como alvo da hostilidade dos que estão ao redor) e por fim a mata, assumindo desejos infantis e atitudes adultas que a levam a agir de forma extremamente previsível em termos de narrativa, mas simultaneamente bastante inverossímil. Inclusive as mensagens puramente visuais são mais bem definidas no início, acompanhando Marlène na altura do olhar adorador da menina, encontrada desfocada em reflexos, e a mudança de chave a partir do sumiço da personagem de Marion, que deveria alavancar o longa-metragem, o leva ao desmoronamento. Para tapar buracos, o roteiro de Filho e Diastème insere uma ceninha da garota pedindo o lanche da colega e uma ligação da escola questionando suas faltas, o que é muito pouco para aceitar que ela conseguiu se virar sozinha e sem ninguém notar por tanto tempo, ainda mais estando no radar de assistentes sociais.

    Reina uma irresponsabilidade generalizada em Meu Anjo, cuja dramaturgia assemelha-se em precariedade qualitativa aos reality shows que enchem os olhos de Marlène. “Sacrifício”, “performance”, “desafio”, “atuação”, “desistência”, “espetáculo” e “amor” são as palavras-chave do último capítulo desse Projeto Flórida desvalido de carinho e genuinidade, que perde a chance de ser brutalmente dilacerante como a verdadeira história da Pequena Sereia - e não me refiro ao encerramento, pois o maior impacto deveria ser causado pela maneira como Elli é (des)tratada sistematicamente, provavelmente como foi também sua mãe.

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