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    João de Deus - O Silêncio é uma Prece
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    João de Deus - O Silêncio é uma Prece

    A prova pela imagem

    por Bruno Carmelo

    Os criadores deste documentário acreditam profundamente no trabalho de João Teixeira de Faria, conhecido como “João de Deus”. Eles se dizem curados pelas intervenções mediúnicas deste, e a roteirista, Edna Gomes, trabalha como assessora de imprensa do curador. Por esta configuração, não se pode esperar qualquer forma de distanciamento em relação ao tema. João de Deus - O Silêncio é uma Prece constitui uma homenagem, um vídeo institucional de divulgação da casa Dom Inácio de Loyola, onde ele exerce suas atividades, e uma prova da veracidade de seus métodos.

    O diretor Candé Salles poderia justificar seu interesse pela crença pessoal nesta abordagem. Mas ele busca legitimar o personagem de diversas maneiras, incluindo depoimentos de pacientes do mundo inteiro (sinal de que João é respeitado fora do país), a presença de pessoas famosas no local (Cissa Guimarães, Marina Abramovic), o respaldo da medicina tradicional (dois ou três médicos se dizem espantados com as cirurgias de João) e cenas espetaculares de cirurgias feitas em locais públicos, com tesouras enfiadas no nariz dos pacientes, indivíduos de mobilidade comprometida voltando a andar (com o curador jogando a muleta no chão e gritando “Anda!”) ou o próprio João engolindo pedaços de vidro. A mise en scène da cura não difere muito das sessões de descarrego em cultos neopentecostais.

    Estas imagens transmitem um discurso peculiar, por coincidirem com a voz do pregador. Cada cena parece insistir: “Confie em mim. Eu não poderia estar inventando tantos depoimentos, ele não poderia ter escondido os pedaços de vidro. Logo, é real, é verdadeiro”. O recurso incomoda não apenas pela busca da conversão religiosa quanto pela impossibilidade de reflexão: o filme fornece respostas sem efetuar perguntas. Sem surpresa, o documentário não inclui nenhuma pessoa em dúvida sobre as práticas de João ou uma eventual cirurgia mal sucedida. Julgando pelas cenas, todos os frequentadores saem imediatamente curados em questão de minutos.

    O projeto não percebe que toda forma de cinema – mesmo um documentário, mesmo diante de um senhor comendo cacos de vidro – implica um ponto de vista, uma seleção dos fatos através da montagem, do enquadramento, do som. João de Deus - O Silêncio é uma Prece repercute o conflito entre a pretensão de objetividade (científica, pelo sucesso inquestionável de João) e de subjetividade (o afeto evidente das pessoas por ele, a posição de escolhido de Deus). O filme quer se justificar pela fé e pela ciência, pelo amor e pelos fatos. No papel de narradora, Cissa Guimarães sugere que João é um “mensageiro do amor e ponte para tantos médicos”, em tom didático e afetado. O tom é repleto de ternura, benevolência, e não deve encontrar dificuldade para se comunicar com o público religioso.

    Talvez por se dedicar tão cegamente ao tema, o filme negligencia aspectos técnicos importantes. O trabalho estético surpreende pela baixa qualidade da textura digital, pela captação deficiente do som direto, pela fotografia estourada, que perde detalhes das roupas brancas nos exteriores, quando tudo se torna um borrão claro. A câmera se mostra indecisa sobre onde filmar, como enquadrar, quando deixar o som em off ou se virar para filmar outra pessoa falando (caso da conversa com o motoboy, de dentro do carro). “A minha missão é fazer as pessoas acreditarem que é possível não ser cético”, afirma uma voluntária da casa Dom Inácio de Loyola. De certo modo, esta é a vocação do projeto como um todo: apresentar um homem gentil, caridoso, amoroso com a esposa, próximo das pessoas mais humildes, em comunicação direta com Deus, dotado de poderes sobre-humanos etc., e esperar que o espectador se torne, ao final da sessão, mais um seguidor de João de Deus.

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