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    Desarquivando Alice Gonzaga
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Desarquivando Alice Gonzaga

    Dona Cinédia

    por Taiani Mendes

    Alice Gonzaga deixa seu apartamento e vai boiar na praia. Esta é a única sequência do documentário que mostra a herdeira da Cinédia, mais antigo estúdio cinematográfico do país, distante de gavetas, pastas, filmes, fichários e relíquias. Segundo ela mesma “a arquivista mais velha do Brasil”, envolvida desde os seis anos com o empreendimento levantado bravamente pelo pai, Alice exibe fôlego de criança agitada circulando entre os arquivos que guardam décadas de informações detalhadas sobre a produção audiovisual brasileira e internacional.

    Em Desarquivando Alice Gonzaga, a diretora Betse de Paula, dando sequência à série iniciada em Revelando Sebastião Salgado, não oferece rebuscamento visual ou uma comunicação paralela codificada na escolha dos planos. Com o enorme desafio autoimposto de acompanhar o ritmo da elétrica octogenária, ela cola sua câmera na personagem e “deixa a narrativa a levar”, fazendo o que dá entre corredores apertados, curvas imprevistas, engaveta/desengaveta e movimentação intensa. O discurso é composto pela colagem de depoimentos dados em diferentes momentos sobre o mesmo assunto, característica que chama a atenção, mas por mérito da montagem não chega a incomodar.

    O brinde aos olhos vem nos trechos restaurados de superproduções Cinédia que pululam na tela, tão brilhantes e raros que dão vontade de correr atrás de todos os filmes. Além de documentário de memórias, Desarquivando é um dinâmico guia do cinema brasileiro entre os anos 1930 e 1950, era de ouro dos musicais e chanchadas. Não satisfeita em contar desde o começo toda a trajetória do pioneiro Adhemar Gonzaga e relembrar sua própria história pessoal e profissional, a "Dona Cinédia" - como afirma ser às vezes chamada - descreve, critica e compartilha detalhes dos bastidores das principais frutos do estúdio, responsável por alguns dos maiores sucessos de público do século passado.

    O grande erro da empresa, ela analisa, foi não ter entrado também no ramo da exibição, mas mesmo com mudanças, enchentes, crises, queimas, películas perdidas e readaptações, a companhia permanece viva e assim aparentemente será por muito tempo, levando em consideração a energia das filhas de Alice – e especialmente o declarado interesse de uma delas em seguir os passos da mãe. As breves participações familiares surgem em momentos inesperados e de maneira um tanto quanto deslocada, mas têm seu valor por fornecer os únicos comentários de terceiros sobre a protagonista. Se ela estivesse presente na reunião em torno da mesa como elemento de ligação a transição seria suave, porém provavelmente o papo desordenado ainda mais difícil de entender.

    Inquieta, falante e divertida, Alice Gonzaga contagia o longa-metragem com seu carisma e a proposta de proximidade da direção assemelha o doc a um privilegiado encontro íntimo do espectador com a arquivista. Pegando fotografias históricas nas mãos e conversando como entre amigos, puxando lembranças sem esforço e se confundindo sem constrangimento, ela abre o baú de recordações de sua família e do cinema brasileiro esbanjando paixão e informalidade. O público, além de aprender bastante coisa sem tom professoral, sai encantado com essa figura única (que não perde a piada nem no mausoléu dos Almeida Gonzaga) e importantíssima para a sétima arte nacional.

    Filme visto no 10º Festival CineMúsica, em novembro de 2017.

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