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    Nós
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Nós

    O mistério do duplo

    por Bruno Carmelo

    Observação: É muito difícil falar de Nós sem discutir pontos importantes da trama. Por mais que o texto abaixo se esforce em não estragar nenhuma surpresa, fique atento para possíveis spoilers!

    Sob o solo dos Estados Unidos, existem vários túneis que não levam a lugar nenhum. Dentro de uma sala de aula, dezenas de coelhos ficam presos em suas jaulas. Na década de 1980, uma garotinha sofreu um trauma no labirinto de um parque de diversões. Nos dias de hoje, uma jovem mãe se recusa a viajar com o marido e os filhos para a praia. O início desta trama apresenta informações aparentemente aleatórias, fragmentadas, sem desenvolvimento. Um forte senso de ambientação trata de unir estes símbolos através da trilha sonora e da montagem: sabemos que eles voltarão, mais cedo ou mais tarde, e que farão parte de uma história única.

    O espectador se encontra diante das peças separadas de um amplo quebra-cabeça, criado com esmero pelo diretor e roteirista Jordan Peele. Se em Corra! (2017) ele propunha uma alegoria política próxima da realidade – com referências a Barack Obama, por exemplo –, desta vez ele mergulha num pesadelo metafórico, aberto a uma infinidade de leituras, e coroado por uma produção maior e mais ambiciosa. Nós é o tipo de obra que teria sido impossível como filme de estreia, mas foi concretizada graças ao sucesso retumbante da empreitada anterior. Peele ganhou carta branca para fazer o que quisesse, e o resultado é um projeto raríssimo no circuito comercial, buscando equilibrar ambições filosóficas e convenções do terror. Em outras palavras, Nós se aventura pelo pantanoso terreno que une o cinema “de arte” ao cinema popular.

    Aos poucos, o filme prepara o espectador para o confronto com a figura do duplo. A presença de irmãs gêmeas e os reflexos no espelho se encarregam da ideia da cópia idêntica, enquanto os duos aranha verdadeira/aranha de brinquedo e coelho verdadeiro/coelho desenhado ilustram o duplo enquanto representação artística, decalque do real. Quando Adelaide (Lupita Nyong’o) encontra uma mulher idêntica a si mesma, o que estaria acontecendo? Seria uma irmã gêmea, um clone, uma impostora? Uma ilusão, uma alucinação coletiva? A metade malvada, vestida de vermelho, em oposição à metade bondosa, de roupas claras? Questionados sobre a sua identidade, os outros respondem: “Somos americanos”. No entanto, os duplos têm nomes distintos, além de leves diferenças no corpo: a mãe possui os braços tatuados, o filho revela o rosto queimado. Seria a mesma diferença entre a aranha de brinquedo e a aranha real?

    Além de se revelarem aos personagens, os alter-egos pretendem eliminar os originais. Cada personagem duplicado deve enfrentar portanto a sua própria “sombra”, como é chamada. Como combater a si mesmo? Alguém com as mesmas forças e fraquezas que você? Nós surpreende pela construção impecável das imagens: Jordan Peele controla em detalhes cada enquadramento, cada inserção da trilha sonora dissonante e perturbadora, cada adição de um humor inesperado dentro de um contexto tão tenso. O formato da tela em scope é bem utilizado, enquanto os atores são conduzidos com precisão, tanto em sua metade realista (despojada, informal, cômica) quanto na metade alegórica (com os corpos tensos, os risos artificiais). O aspecto mais interessante do confronto entre duplos é perceber como estas partes se complementam, constituindo duas versões de um único ser – como se todos nós contivéssemos a identidade civilizada e a identidade monstruosa, ambas lutando para tomar à frente. Psicólogos e psicanalistas se deliciarão com esta trama.

    Outra ousadia de Nós se encontra no ritmo: para uma produção de terror, as cenas são muito mais lentas do que qualquer outra produção de Jason Blum. Peele aposta numa narrativa questionadora, com direito a um longo discurso de Red (também Lupita Nyong’o) interrompendo um ágil momento de terror, além de encontros dilatados com os duplos substituindo os tradicionais sustos do horror-espetáculo. O fato de os adversários serem uma versão dos protagonistas demora a surtir efeito na trama: durante boa parte do confronto, o inimigo poderia ser um ladrão qualquer, até que o filme enfim aprofunde sua simbologia e desvende uma série de segredos guardados para o final.

    Talvez a habilidade dos duplos em pensar como os originais, antevendo a ação destes, pudesse ser utilizada de maneira mais eficaz pelo roteiro, ainda que seja explorada a contento rumo à conclusão. Em paralelo, a arriscada decisão de separar os quatro membros da família gera um desafio ainda maior para a montagem e para o espectador, que precisa situar onde exatamente se encontra cada original e cada duplo – como pode se perceber, o espectador é igualmente inserido no labirinto. Ao contrário de Corra!, a revelação final não esclarece todas as dúvidas, e sim embaralha as peças que acreditávamos ter juntado até então – para formar, quem sabe, uma nova imagem.

    Ao final da sessão, os espectadores demoravam para se levantar da cadeira, hipnotizados pelo que acabavam de ver. Por tantas ousadias narrativas e simbólicas, Nós não é um filme muito fácil de desvendar, a exemplo de um cofre bem protegido que, uma vez aberto, possui outros cofres dentro. Caso consiga suscitar uma boa resposta do público médio, terá conquistado uma proeza considerável. O diretor embute uma complexa discussão racial e de gênero num feel good movie; insere o nível de exigência do cinema “de arte” num formato acessível; combina o humor escrachado com cenas sangrentas; atinge um requinte de produção que parece muito mais caro do que os US$20 milhões do orçamento. Com apenas dois filmes no currículo, Jordan Peele se torna um dos diretores mais interessantes de sua geração.

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    Comentários

    • SAMIR DEMETRIUS SILVA
      ENTENDER.... nem todos tem esta capacidade....... CONFORME-SE.
    • SAMIR DEMETRIUS SILVA
      ENTENDER.... nem todos tem esta capacidade.... CONFORME-SE.
    • Marco STUCHI
      Um filme ruím, fotografia zero, desenvolvimento da historia ruim, não resolve os fatos que motivaram tudo isso, vc tem ir na internet para achar jeremias 11:11, nem conseguiu criar um contexto logico
    • Dannilo Amorim Cerqueira
      Nota do filme aqui me surpreendeu... história sem explicações e motivações incertas... a suposta reviravolta na trama eu advinhei até a surpresa do final ainda antes do meio do filme... Enfim, filme ruim, mas não pessimo... acho que 2,5-2,8 estrelas estava bom.Há aqui um enaltecimento ao diretor e à intenção dele... não vi isso exporto no filme com essa genialidade toda que o critico tentou passar.
    • Davi
      M0rr4, racista nojento.
    • rendall
      Como se o fenótipo de alguém definisse o próprio caráter. Insensato é você que acredita e escreve isso.
    • Fogo nos Racistas
      Eai racistinha de merda, o que tem haver o cabelo do mano com sua falta de intelecto?
    • IVANEI SOUZA
      Vc cheirou o quê amigo???Esse filme me deu foi raiva, fiquei na espectativa vendo ele achando que talvez ele podia melhorar em algum momento, mas nada....Filme verdadeira aberração.
    • IVANEI SOUZA
      Acorda amigo!!Esse filme é uma verdadeira porcaria.Vc está é viajando na maionese.Percebi que vc era insensato logo que vi essa foto sua com essa cabeleira.
    • IVANEI SOUZA
      Boa tarde.Como pode um filme ser tão ruim assim.Não percam tempo vendo esse filme.Não acredito que a crítica do Adorocinema deu 4 estrelas para ele.Devem estar de sacanagem
    • Elisabeth Asila
      foi o mesmo diretor? eu adorei corra, mas nós foi muito ruim
    • Elisabeth Asila
      ruim demais
    • Gustavo Fuzeto
      Simplesmente ruim...
    • luciano d
      então somos dois...
    • Gutemberg Alves Dos Reis Filho
      Faço das suas palavras as minhas Isabelle
    • Luiz de Souza
      Então, é... Se ela era a clone, por que a clone tem que explicar tudo para ela, se ela já sabia?
    • welcome_ Truelie
      Caraca tu tá em todos os comentários, deixa o povo ter a própria opinião, pessoa. Nem todo mundo tem o mesmo gosto e afinidade.
    • welcome_ Truelie
      Achei interessante a ideia de propor um filme artístico que faça realmente a mente humana pensar, a verdade não está dada, ela é construída aos poucos durante a trama. Achei genial o final e durante todo o processo me peguei pensando no que o diretor realmente quis passar por meio deste filme, algumas pontas soltas não resolvidas me deixaram meio confusa de início, acho que em filmes como este vale a pena rever para uma melhor análise. Algumas coisas eu realmente não gostei, achei que as cenas são muito lenta, principalmente as que envolvem o ataque dos vermelhos e os originais, na maior parte do tempo me parece que realmente não querem matá-los, há uma certa enrolação aí. O marido da protagonista me incomodou muitíssimo, está certo que também envolve uma certa sátira, mas de verdade? Ele é muito molão e isso me incomodou imensamente. No final a sensação só fica pior quando eles ficam sentados na ambulância enquanto a protagonista está desesperada tentando encontrar o filho, não condiz muito com a realidade. Se isso envolve uma análise mais aprofundada, ou se tiraram alguma conclusão sobre essas cenas, eu gostaria de saber mais a respeito.O ponto mais solto foi: e agora? O que acontece com aquela gigantesca corrente de vermelhos? E por que não saíram matando e quebrando os elos, assim como a cópia da protagonista tinha dito que deveria ser feito? Fica a dúvida.O final foi muito bom, realmente gosto quando o filme surpreende de um modo inesperado, no fim das contas esta foi uma boa produção com alguns pontos não tão explicados assim.Vou assistir de novo para tentar entender melhor, talvez todos devêssemos fazer isto.
    • Sacerdotisa T
      Cara, a sua critica foi a melhor que eu li em toda internet. Vc captou a essencia do filme como poucos. Eu achei o filme incrível e vim ver se alguém tinha alguma teoria sobre o Jason, o único capaz de controlar sua própria sombra e o único com poder sobre a máscara. Como pode um personagem desse ter passado despercebido nas críticas?? Ele é uma chave incrível! Só ele tb, no final, sabia distinguir entre as sombras e os da superfície e passou batido na galera.. Ele é o grande contraponto na minha opinião e achei sacanagem ser negligenciado. Mas a sua é a mais próxima da que eu cheguei tb. Vi umas paradas de discurso de desigualdade que dá vontade de chorar!!! O filme é super profundo, instigante, questionador, mas a galera se perdeu nas primeiras camadas (se é que eram camadas) e deixou a discussão mais interessante se perder por falta de compreensão. Se puder responder meu comentário pra gente discutir sobre o Jason ia ser muito legal!! Obrigada pela crítica.
    • Franklim c
      O filme, assim como Corra, viaja demais no final, mas isso é uma marca desse Diretor.Não é um filmaço, mas vale o entretenimento.
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