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    1945
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    1945

    Acerto de contas simbólico

    por Bruno Carmelo

    Em 1945, a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim. Em meio à Europa devastada, cidadãos judeus de diversas nacionalidades começaram a retornar a seus países de origem. No caso de 1945, dois judeus húngaros voltam a seu vilarejo, para a paranoia dos habitantes: eles estariam atrás de uma recompensa? Buscariam reclamar o direito às casas, tomadas por outras pessoas? Visariam disputar espaço no comércio? Os dois judeus silenciosos, “iguais a todos os outros, com chapéu e barba”, como descreve um personagem, são cobertos de um peso simbólico difícil para o povo local assimilar.

    O drama dirigido por Ferenc Török constitui uma espécie de mea culpa húngaro em relação à perseguição nazista. Alguns personagens reagem com medo, outros partem para o ataque, mas o protagonista, sem surpresa, é um vilão caricatural: Szentes István (Péter Rudolf), funcionário da cidade. Este homem é apresentado pela primeira vez enquanto faz a barba com uma gilete e admira o sangue escorrer de uma ferida - típica descrição de personagens maus - para depois ser visto em cenas de manipulação, violência ou ainda malignamente fumando seu charuto com as sobrancelhas arqueadas, admirando o horizonte com uma luz contrastada delineando o seu rosto - mais um clichê da imagem de vilões.

    István é o alvo desta retratação histórica: ele representa o antissemitismo, o machismo, a família tradicional e as estratégias mafiosas de manutenção de poder. Não por acaso, a chegada dos judeus coincide com o dia do casamento de seu filho com uma bela moça do local, algo programado para corrigir as atitudes permissivas do jovem. 1945 não faz esforço em atenuar as mensagens, pelo contrário: o maniqueísmo é tão intenso que retira do conjunto qualquer possibilidade de reflexão. Este é um filme que não confia na inteligência de seu espectador, por isso lhe diz exatamente quem amar e quem detestar, quem está certo e quem está errado.

    Em diversos aspectos, o drama remete à estrutura das telenovelas. O acúmulo de conflitos sentimentais pode provocar algumas risadas: no meio do imbróglio nacional e familiar, o roteiro encontra espaço para incluir a traição da noiva com o vizinho que, no fundo, sempre amou; o martírio de uma esposa cujo marido não faz sexo com frequência; as ameaças sombrias da sogra em relação à nora interesseira; pessoas arrumando as suas malas e partindo subitamente; incêndios criminosos; chuvas redentoras etc. O pacote de tragédias é embalado num preto e branco mal trabalhado, primeiro por possuir a textura comum da imagem originalmente colorida, mas dessaturada na pós-produção, e segundo por acentuar os contrastes de uma história já calcada no choque de opostos.

    Talvez Török tivesse medo de desculpar os vilões ao torná-los mais complexos, talvez tenha deixado os judeus como figuras quase anônimas para que pudessem representar toda a comunidade judaica europeia. Nesse terreno espinhoso de representações históricas, o diretor aposta no caminho mais fácil e didático. De quebra, evita dar protagonismo às verdadeiras vítimas para privilegiar a possível redenção dos agressores.

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    Comentários

    • Paulo A.
      O filme é muito bom e não tem nada de apelativo para o tal do vitimismo judeu. A construção da narrativa é extraordinária: os culpados e são culpados mesmo, apavorados com a simples presença de dois judeus típicos andando pelo lugar, carregando duas caixas, e toda sorte de suposições dos habitantes que ocuparam e tomaram as propriedades dos judeus expulsos e/ou enviados para campos de concentração no contexto da segunda guerra mundial. Os donos do espólio judaico e suas culpas sendo desveladas, até o momento culminante na porta do cemitério, quando os dois caminhantes finalmente revelam o que vieram fazer, é simplesmente magistral!
    • Saraiva Dias
      Ai, o filme não foi imparcial, não mostrou os dois lados da questão da mesma maneira. É puro vitimismo judaico.
    • Robson Tirapani Mendes
      Curto e grosso, uma bomba. Monótono, tedioso, cinematografia ruim. Sofrível, de resto.
    • Victor Koifman
      Concordo inteiramente com o Ivan e discordo inteiramente do comentarista de cinema Bruno Carmelo. Gostei muito do filme, entretanto, quem não conhece a história dos mais recentes 85 anos e detalhes do comportamento religioso tradicional dos judeus, pode não entender detalhes importantes para quem os conhece. Há alguns detalhes que vou destacar a seguir, são fundamentais ao entendimento de alguns detalhes do filme e comportamentos dos personagens. São eles:1) Parte dos habitantes das cidades, vilarejos ou aldeias ocupadas pelos nazistas, por ganancia para se apossarem dos bens dos denunciados, foram autores de denuncias aos nazistas que levaram famílias de judeus aos campos de extermínio que matou 5 milhões deles. 2) Ao tentarem no fim da guerra e libertação dos poucos sobreviventes dessa tragédia, retornar aos seus lares, grande parte dos poucos judeus que viveram para isso, foram linchados pelos moradores das localidades natais.3) Faz parte da tradição judaica, enterrar o Talit (chale usado nas rezas) e o livro de rezas dos mortos.4) Depois da guerra, a Hungria foi ocupada pela União Soviética, pasando a fazer parte da Cortina de Ferro.
    • Ivan
      Entendo o filme 1945 em sua técnica cinematográfica e no desenvolvimento do enredo de modo radicalmente oposto à crítica acima. Trata-se de um drama maduro e eficaz, o qual - bem ao contrário do que entende a crítica deste site, nada tem de maniqueísta ou simplório. A narrativa cinematográfica que une a perspectiva documental de apresentação da localidade à força dramática imposta pela atuação de cada personagem - através de falas constantes e cortantes que revelam do filme tudo que é necessário saber; ora, são uma aula de técnica e de enredo que poucas vezes se vê no cinema atual. É uma linguagem quase perdida do cinema clássico americano e europeu das décadas de ouro da sétima arte. Indico o filme e registro que a reflexão do mesmo é grandemente sutil, posto que a mesma não surge das reações dos personagens antagonistas, mas sim, da postura dos antagonistas e do quanto estas revelam acerca da realidade pessoal dos cidadãos da aldeia. Filmaço!
    • Teresinha Winter
      Fico furiosa com a qualidade dos filmes nos últimos anos. Muitas histórias são boas, mesmo. Mas os roteiristas, autores, escritores, sei lá, estragam a história. E criam um troço chato, cheio de clichês, imitando outros filmes já feitos, enfim, botam fora a chance de fazer um bom filme, com uma boa história. Sem falar nos finais, que a grande maioria não sabe fazer. Por isso, todos os dias aparecem várias séries na TV, que também são um tiro no escuro. Mas estão ocupando o gosto das pessoas por ver um bom filme. Ao ler sobre essa história do filme, me parece muito boa. Daria pra fazer um belo filme, eis que o término dessa guerra, em particular, poderia render várias histórias diferentes, que aconteceram bem no meio dos países participantes. E seria bom que isso fosse mostrado. Mas não mostram. E quando acontece, ainda fazem um troço mal acabado.
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