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    Minha Maravilhosa Berlim Ocidental
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Minha Maravilhosa Berlim Ocidental

    Lembranças da liberação sexual

    por Bruno Carmelo

    O título deste filme remete a uma nostalgia, àqueles “bons tempos” em que homens e mulheres homossexuais encontraram, dentro de seu país, um refúgio em bares e reuniões políticas onde podiam expressar a sua sexualidade apesar da perseguição política. Desde o regime nazista, a Alemanha criou o “Parágrafo 175”, lei que tornava crime qualquer expressão da homossexualidade. A perseguição levou milhares de cidadãos LGBT a serem assassinados em campos de concentração, e continuou vigorando durante décadas, até ser atenuada e finalmente revogada nos anos 1990.

    O documentário de Jochen Hick não aborda diretamente a História, e sim a memória afetiva decorrente dela. Ao invés de multiplicar o número de datas e citações, o cineasta entrevista homens homossexuais idosos, na faixa dos 70 anos de idade, revelando episódios pessoais durante a separação do país pelo muro de Berlim. Eles lembram a primeira vez que foram às festas, o primeiro bar sem cortinas, onde se podia ver das ruas as pessoas dançando, o primeiro emprego em que assumiram a sua homossexualidade, os primeiros namorados, os primeiros amigos mortos pelo HIV. Através deste painel amplo e afetuoso, Hick resgata o impacto da história e da política na vida privada.

    Devido ao distanciamento destes homens com sua juventude, os fatos são rememorados sem a dor dos traumas recentes. Minha Maravilhosa Berlim Ocidental traz recordações bem humoradas, além de um sentimento ambíguo em relação às transformações históricas: muitos entrevistados admitem que, embora a perseguição fosse muito maior naquele tempo, a época também gerou experiências ousadas, sexuais e culturais, que nunca mais ocorreram na sociedade desde então. Quanto maior a repressão, maior a transgressão, afirmam, e para terem os prazeres da segunda, precisaram driblar os perigos da primeira.

    O filme impressiona pelo farto material de arquivo. Hick possui imagens detalhadas e variadas da vida pessoal de cada entrevistado, dos filmes da época, das manifestações políticas, da arquitetura da cidade. As imagens jamais parecem repetitivas, surpreendendo pela raridade e riqueza com que se articulam, trabalho de uma montagem muito competente. A propósito, as ideias e fatos são organizados de modo não-linear, dissipando o peso da linearidade e o compromisso com o didatismo das informações. Pouco importa os fatos ocorreram exatamente como são lembrados: o projeto está menos interessado com a precisão dos dados do que com a vivência dos mesmos.

    Minha Maravilhosa Berlim Ocidental consegue discutir política, História, sociedade e sexualidade de maneira interligada e leve, mesmo percorrendo os momentos do nazismo e a descoberta da AIDS. Hick compreende muito bem a maneira como cada um destes aspectos afeta o outro, sendo impossível estudá-los separadamente. O documentário seria beneficiado por uma atenção maior às mulheres lésbicas e mulheres transexuais - é impressionante como homens brancos ainda monopolizam filmes de temática LGBT -, porém constitui uma visita aprofundada ao passado e aos traços deixados por estes episódios no século XXI.

    Filme visto no 25º Festival Mix Brasil, em novembro de 2017.

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